Estereótipos de violência e hipersexualidade nas masculinidades pretas e afrodiaspóricas
Introdução
O processo histórico e social narrado pelo poder hegemônico colonial consolidou a imagem dos meninos pretos e das diásporas africanas, arraigada em estereótipos de violência e hipersexualidade, conforme menciona Cassiano (2024). Esses marcadores, embora oriundos de práticas escravocratas e raciais, permanecem presentes nos discursos contemporâneos e nas interações cotidianas. Diante disso, este artigo busca discutir como esses estereótipos afetam a subjetividade, a corporeidade e o desenvolvimento desses indivíduos, analisando os impactos dessas construções no campo educacional, na vida social e nas políticas públicas. Para tanto, utilizam-se abordagens teóricas oportunizadas por pensadores e pensadoras pretos e afrodiaspóricos internacionais, como Fanon (2008) e Davis (2016), e pelos brasileiros Almeida (2019) e Nascimento (2019), além de marcos legais que buscam a promoção da equidade racial. Entre esses marcos, destaca-se a Lei 10.639/2003, que trata do ensino da História e Cultura das matrizes africanas e afro-brasileiras na Educação Nacional.
1. A Origem dos Estereótipos: uma construção histórica
É preciso destacar que a imposição dos estereótipos de violência e hipersexualidade sobre os corpos pretos tem raízes na colonização e no tráfico transatlântico de escravizados (Moura, 1988, 1992; Cassiano, 2024). Para robustecer as informações apresentadas, Fanon (2008) afirma que as masculinidades pretas e seu povo foram objetificados como o “outro”, um corpo sobre o qual a violência colonial inscreveu seus medos e fantasias. Durante a escravidão, homens pretos foram desumanizados, sendo representados como figuras animalescas e perigosas, enquanto sua sexualidade era hiperdimensionada como forma de controle social e econômico.
Essas construções tinham o objetivo de justificar a exploração e a segregação racial, mas também contribuíram para solidificar uma narrativa de ameaça preta que persiste nos dias atuais (Cassiano, 2024). Nesse sentido, a masculinidade preta foi sistematicamente criminalizada e erotizada, criando um ciclo de exclusão que atravessa gerações.
2. Estereótipos e Racismo Recreativo: impacto na infância e adolescência
No que tange à infância dos meninos pretos, essa é frequentemente marcada pela negação de sua vulnerabilidade. Damião et al. (2020) destacam como a adultificação racial ocorre desde os primeiros anos escolares. Esse processo, que transforma meninos pretos em adultos em potencial, contribui para que sejam tratados como ameaças em vez de crianças, o que intensifica sua exposição à violência institucional e interpessoal.
No ambiente educacional, as práticas de racismo recreativo também reforçam esses estereótipos. Cantos e brincadeiras aparentemente inofensivos, como a utilização da canção “Boi da Cara Preta”, trazem subtextos raciais que associam o preto ao medo e à ameaça (Feijó, 2011). Essas experiências constroem identidades fragmentadas e alimentam o ciclo de exclusão (Cassiano, 2024).
Por outro lado, a hipersexualidade é atribuída precocemente aos meninos pretos, sendo frequentemente vista de forma distorcida pela sociedade. Davis (2016) aponta que essa erotização infantil tem raízes nos interesses coloniais de controle dos corpos pretos, mas suas consequências refletem-se em relações de poder desiguais e na perpetuação da exploração sexual na contemporaneidade.
3. Subjetividades e Corporeidades Resistentes: enfrentando narrativas coloniais
O enfrentamento dos estereótipos passa pela desconstrução das narrativas coloniais e pela promoção de práticas pedagógicas antirracistas. Nesse contexto, a pedagogia antirracista se apresenta como uma ferramenta fundamental para desconstruir os imaginários de violência e hipersexualidade. Nesse sentido, Almeida (2019) destaca que a educação pode ser um espaço de transformação; para isso, é necessário reconhecer e combater as estruturas racistas que permeiam o ambiente escolar. Portanto, a implementação de práticas educativas que valorizem a história, a cultura e a contribuição dos povos africanos e afrodescendentes é essencial para criar narrativas positivas e fortalecer a autoestima de crianças e jovens pretos.
4. Conclusão: caminhos para a superação dos estereótipos
Os estereótipos de violência e hipersexualidade atribuídos aos meninos pretos e às diásporas africanas são resquícios de um passado colonial que ainda persistem nas práticas e discursos contemporâneos. Essas construções afetam profundamente a subjetividade e a corporeidade desses indivíduos, impactando sua trajetória social e acadêmica.
Sendo assim, superar esses estereótipos exige um esforço conjunto que envolve a desconstrução de narrativas racistas, a valorização das identidades pretas e a implementação de políticas públicas inclusivas. Além disso, a Educação Antirracista desempenha um papel central, ao proporcionar um espaço de resistência e empoderamento. Sobre isso, Fanon (2008), é necessário libertar o homem preto da prisão simbólica em que foi colocado, promovendo uma reconstrução de sua subjetividade baseada em justiça e igualdade.
Por fim, este artigo reforça a importância de reconhecer as heranças coloniais no presente e de se engajar em práticas que transformem essas realidades, promovendo um futuro em que meninos pretos possam viver plenamente suas infâncias e potencialidades, livres dos estereótipos que os aprisionam.
Referências
- ALMEIDA, Silvio. Racismo estrutural. São Paulo: Pólen, 2019.
- BRASIL. Lei nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003. Altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira”. Diário Oficial da União, Brasília, 10 jan. 2003. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.639.html. Acesso em: 12 jun.2024
- CASSIANO, Thiago Francysco Rodrigues. Eu-Outro: Cosmovisão Africana e Corporeidade do Homem Preto na Educação Antirracista. Dissertação (Mestrado em Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal do Tocantins, Palmas, TO, Brasil, 2024.
- DAMIÃO, Flávia de Jesus; DIAS, Lucimar Rosa; REIS, Maria Clareth Gonçalves. Existências De Crianças E Infâncias Negras: Movimentos De Um Educar E Pesquisar Antirracista. Revista da Associação Brasileira de Pesquisadores/as Negros/as (ABPN), [S. l.], v. 12, n. 33, p. 4–19, 2020. Disponível em: https://abpnrevista.org.br/site/article/view/1018. Acesso em: 27 nov. 2024.
- DAVIS, Angela. Mulheres, raça e classe. São Paulo: Boitempo, 2016.
- FANON, Frantz. Pele negra, máscaras brancas. Salvador: EDUFBA, 2008.
- FEIJÓ, Ivan Luiz Chaves. Boi da Cara Preta: Transfiguração do Escravo, Humanização do Boi. Humanidades em diálogo, São Paulo, Brasil, v. 4, n. 1, p. 135–148, 2011. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/humanidades/article/view/106194.. Acesso em: 27 nov. 2024.
- MOURA, Clóvis. História do Negro Brasileiro. São Paulo: Editora Ática, 1992.
- MOURA, Clóvis. Rebeliões da senzala. 4. ed. Porto Alegre: Editora Mercado Aberto, 1988. NASCIMENTO, Abdias. O quilombismo: documentos de uma militância pan-africanista. 3. ed. rev. São Paulo: Editora Perspectiva; Rio de Janeiro: Ipeafro, 2019.
Cassiano, seu trabalho é mais que necessário.
Suas observações estão muito bem fundamentadas, é notável o critério rigoroso que adota, respeitando o método científico, não apenas descrever as implicações do racismo, mas para apontar soluções ao racismo, na educação.
É somente assim que se avança na construção de uma sociedade mais igualitária e justa.