Machado de Assis, amplamente reconhecido como um dos maiores gênios da literatura brasileira, deu ao mundo Dom Casmurro, uma obra que transcende o tempo, as fronteiras e os gêneros literários. Publicado em 1899, esse romance é o ápice do realismo machadiano, um livro que explora a complexidade humana com sutileza e ironia. Mas como Machado deu vida a uma obra tão emblemática? Vamos desvendar esse mistério, explorando sua genialidade, métodos de escrita e o impacto cultural que a obra teve.

A Inspiração por Trás de “Dom Casmurro”

Machado de Assis nasceu em 1839 no Rio de Janeiro, em uma época de grandes transformações sociais e políticas no Brasil. Filho de um pintor mulato e de uma lavadeira portuguesa, ele cresceu em circunstâncias humildes, mas sua curiosidade e amor pela leitura o levaram a explorar os clássicos da literatura mundial desde cedo.

A inspiração para Dom Casmurro veio de sua visão crítica da sociedade brasileira da época, marcada por hierarquias sociais rígidas, preconceitos e hipocrisias. Além disso, o autor tinha um interesse especial pelas nuances da mente humana. Ele foi profundamente influenciado por leituras de Shakespeare, Pascal e Schopenhauer, que contribuíram para o tom psicológico e introspectivo de suas obras.

“Dom Casmurro” nasceu da intenção de Machado em explorar as dinâmicas do ciúme, da dúvida e do autoengano. A narrativa apresenta o protagonista Bento Santiago, conhecido como Dom Casmurro, refletindo sobre seu passado e questionando a fidelidade de sua esposa, Capitu. A ambiguidade da história e a perspectiva parcial do narrador são marcas que desafiam o leitor a tirar suas próprias conclusões.

Técnicas de Escrita: O Brilho de Machado de Assis

Machado de Assis dominava a arte da concisão e da ironia. Em Dom Casmurro, ele utiliza uma narrativa em primeira pessoa que não só aproxima o leitor do protagonista, mas também o envolve em sua visão enviesada do mundo. A escolha de Bento Santiago como narrador é estratégica: o leitor é levado a questionar a veracidade de suas memórias e a refletir sobre o papel do narrador na construção da verdade literária.

O uso do “capítulo curto” é outro elemento marcante. Machado escreve capítulos breves e afiados, com títulos sugestivos que muitas vezes revelam a essência do que será discutido. Isso não apenas cria uma leitura dinâmica, mas também reforça a densidade emocional e intelectual de cada segmento.

O autor também inova ao usar símbolos e metáforas sutis, como a famosa “janela de Capitu”, que simboliza a ambiguidade e o mistério. Suas descrições são econômicas, mas poderosas, permitindo que o leitor visualize o cenário enquanto se concentra nos conflitos psicológicos.

O Contexto de Publicação

Na época em que Dom Casmurro foi publicado, o Brasil vivia os primeiros anos da República, marcada por incertezas e mudanças sociais. Machado, então presidente da Academia Brasileira de Letras, já era amplamente respeitado como escritor. No entanto, sua abordagem realista, que se afastava do romantismo idealizado do início do século XIX, desafiava as convenções literárias.

A recepção inicial de Dom Casmurro foi dividida. Muitos críticos elogiavam sua profundidade psicológica, enquanto outros se perdiam na ambiguidade proposital da narrativa. Foi apenas com o passar do tempo que o romance ganhou o status de obra-prima, sendo incluído em currículos escolares e traduzido para diversos idiomas.

O Impacto de “Dom Casmurro”

O impacto de Dom Casmurro vai além de sua época. A questão central do livro — “Capitu traiu ou não traiu?” — tornou-se um dos maiores debates literários no Brasil. Essa ambiguidade é um dos maiores legados de Machado, pois transforma o leitor em um participante ativo, obrigando-o a questionar seus próprios preconceitos e interpretações.

Além disso, a obra influenciou escritores no Brasil e no mundo, inspirando novas formas de explorar narrativas psicológicas e introspectivas. Dom Casmurro é frequentemente comparado a Madame Bovary, de Gustave Flaubert, e a O Retrato de Dorian Gray, de Oscar Wilde, por sua exploração das contradições humanas.

Conclusão

Escrever Dom Casmurro não foi apenas um feito literário; foi um marco na história da literatura universal. Machado de Assis criou uma obra que transcende o tempo, abordando questões universais como o amor, o ciúme e a complexidade da memória humana. A genialidade do autor reside na sua habilidade de combinar uma narrativa envolvente com reflexões profundas sobre a condição humana.

Hoje, mais de um século depois, Dom Casmurro continua a desafiar leitores e estudiosos, provando que a verdadeira literatura não tem prazo de validade. É um testemunho do poder das palavras e do talento de um escritor que, a partir do Brasil, alcançou a imortalidade literária.