Gabriel García Márquez

Como foi escrito “Cem anos de solidão”, de Gabriel García Márques”

 Hoje temos a feliz tarefa de falar sobre “Cem anos de solidão”, de como foi escrita e de algumas curiosidades desta obra e da vida de García Márquez.

  A vida dos grandes nomes de todas as artes e a forma como escreveram as suas obras é algo que povoa o imaginário de muitos de nós, reles mortais que não fomos agraciados com o dom da “Arte”. Essa arte que nos transforma, e está na música, nas artes plásticas, no cinema, no teatro, na dança, mas muito especialmente na literatura, que é a arte transformadora por essência. Depois que lemos as grandes obras algo dentro de nós muda, está feito, não há como voltar ao que éramos antes.

Poucas obras conseguem chegar ao âmago do nosso ser como esta. E não só chega, como faz uma morada permanente, com suas frases eternas, seus símbolos, seus personagens, e sua Macondo, empoeirada terra mítica e real ao mesmo tempo, onde acontece a saga da família Buendía.

Para contar um pouco de como foi escrita, comecemos pela primeira frase, uma das mais célebres da literatura universal, e que é, para muitos, o melhor início de romance da literatura da América Latina:

 

“Muitos anos depois, diante do pelotão de fuzilamento, o coronel Aureliano Buendía haveria de recordar aquela tarde remota em que seu pai o levou a conhecer o gelo”.

Resulta que esta frase, segundo o próprio “Gabo”, como era chamado por seus amigos, já vinha lhe rondando a cabeça, sem terminar de tomar sua forma definitiva, desde que escreveu “La hojarasca”, sua primeira novela, dezoito anos antes de que escrevesse sua obra definitiva, a qual lhe deu o Prêmio Nobel de Literatura de 1982.

Ele próprio contou diversas vezes como escreveu “Cien años de Soledad”, nome original da obra, e vamos contar aqui um pouco do que ele disse, pois a forma como foi escrita é tão interessante quanto seu romance.

Tendo nascido em uma pequena cidade colombiana, no meio do nada, chamada “Aracataca”, viveu sua primeira infância aos cuidados dos seus avós, e estes tiveram, como não poderia deixar de ser, grande influência em toda a sua obra literária. Em especial a sua avó, que ficou cega, mas não deixou por isso de encher o mundo de “Gabo” de histórias fantásticas, mitos e lendas colombianos, latino-americanos e universais. Eram pessoas simples, mas com cultura acima da média para sua época e região.

Quando jovem estudou direito, mas não se formou, porque desde muito cedo ele sabia que o que queria era escrever, e começou a sua vida profissional como jornalista. Passou por muitos jornais e revistas, em Colômbia e em muitos países. Era um nômade, aparentemente mais pelas circunstâncias sociais e políticas que viveu do que por seu gosto pelas mudanças. Como era um homem muito sociável, fez inúmeros amigos, muitos escritores, diretores de cinema e teatro, políticos e celebridades.

E por que escrevemos esses dados biográficos, se o que queremos é contar como foi escrita “Cien años de soledad”? Porque justamente nesse seu andar pela vida, foi “mastigando” a sua obra, como dizia ele.

Conta então que vivia na cidade de México, com sua esposa e seus dois filhos, quando viajou no velho “Opel” da família, para passar uns dias em Acapulco, na costa, quando foi arrebatado por algo que depois ele descreveu como uma espécie de cataclismo ou iluminação.

De repente a primeira frase do livro estava ali, clara e perfeita em sua mente, toda a história que “mastigava” durante 18 anos fez todo o sentido, e ele por fim sabia o que queria escrever. Foi como se a obra mesma, ainda não escrita, lhe dissesse: “estou aqui, sou assim, agora me escreva”!

E foi tão forte essa experiência que ele quase atropelou uma vaca que cruzava a estrada.

Na volta para a capital ele se trancou em seu pequeno escritório de escritor durante um período de um ano e meio. No início ele até terminou de escrever alguns trabalhos que tinha pendentes. Mas logo já não conseguiu fazer mais nada que não fosse se dedicar à sua obra. Em suas palavras, precisou tomar uma decisão: “Escrever ou morrer”. Em várias ocasiões ele contou que escrevia sem parar, imerso em uma espécie de transe demolidor, até a última línea da história de Macondo, a cidade fictícia onde acontece a história, e que é inspirada em Aracataca, sua cidade natal.

Macondo, cidade fictícia de Gabriel García Márquez

Nesses tempos eles foram consumindo sua poupança e seus poucos bens. Sua fiel esposa, Mercedes, não somente pediu ajuda aos amigos, mas também aos lojistas, e até ao açougueiro! Aconteceu que quando o dinheiro acabou, ele não tinha nem para papel para a máquina de escrever. Empenharam então o automóvel. Os amigos, além de levar algum dinheiro, levavam comida e outras coisas que precisassem, e em troca somente queriam que o colombiano recitasse passagens do romance que estava escrevendo. Felizmente ele era um ser sociável e tinha muitos amigos, e isso foi especialmente importante nessa época.

Quando colocou o último ponto em “Cien años de soledad”, ele e Mercedes empacotaram a obra para enviar para a Editorial Sudamericana, em Buenos Aires.

 

Acontece que o dinheiro de que dispunham não era suficiente para os selos, pelo que enviaram primeiro uma parte. O resto conseguiram empenhando outros pertences da casa. E para arrematar, Mercedes disse uma frase que ele contou muitas vezes, rindo: “Lo único que falta es que la novela sea mala”. Enviaram o resto da obra, e aguardaram durante quase um ano a que chegassem os primeiros exemplares pelo correio.

Faremos nossas as palavras de Fabián Tapia, em tradução livre: “Cien años de soledad” guarda a essencia de tudo o que nós temos sentido, sentimos ou sentiremos… é o reflexo dos nossos povos, um furacão de emoções que desnuda a alma e um legado para – paradoxalmente -, não nos sentirmos sós”.

Fontes:

https://cvc.cervantes.es/actcult/garcia_marquez/cronologia/1927_67.htm

https://sites.google.com/site/secretosdeletras/estanteria/cien-anos-de-soledad