Cabo Delgado e a ausência de estratégias do novo governo

A província de Cabo Delgado enfrenta insurgências desde 2017 até os dias atuais, com ataques que se estendem a diversos distritos e municípios, como Palma, Quissanga, Muidumbe, Macomia e Metuge. Além disso, já há registros de ofensivas em algumas localidades das províncias vizinhas, como Nampula. No entanto, apesar da evolução do conflito, a crise na região parece distante da agenda política do atual presidente.

Daniel Francisco Chapo, empossado como presidente da República de Moçambique em 15 de janeiro de 2025, após eleições controversas, apresentou um plano para os primeiros 100 dias de governo. Em seu discurso, abordou questões econômicas, sociais e políticas essenciais para o país. Entretanto, sua falta de pronunciamento sobre a situação em Cabo Delgado gerou inquietação entre a população do norte do país, especialmente entre os diretamente afetados pelo terrorismo. Essa omissão sugere uma possível falta de interesse e ausência de estratégias concretas do novo governo para enfrentar a insurgência.

A relevância histórica de Cabo Delgado e a exploração de recursos

A província de Cabo Delgado carrega em sua trajetória a essência da luta de libertação de Moçambique. No entanto, esse marco histórico não se reflete na valorização da região por parte do governo. Após a independência, a província permaneceu desprotegida e negligenciada, sendo reconhecida como área de interesse apenas após a descoberta de minas de rubi, grafite e gás natural na bacia do Rovuma.

Infelizmente, a exploração desses recursos, que poderia impulsionar o desenvolvimento local, transformou-se em uma maldição para a população, ao passo que beneficia a elite política no controle da extração mineral e energética. Enquanto essa elite prioriza seus próprios interesses, os moradores de Cabo Delgado sofrem há mais de oito anos com o avanço da violência e da instabilidade. Agora, com a nova administração, há um temor crescente de que a situação piore ainda mais devido à falta de estratégias eficazes para combater o terrorismo.

O descaso governamental com a instabilidade e os direitos humanos

Diante da gravidade da crise em Cabo Delgado, era esperado que a nova administração tratasse a situação como prioridade. No entanto, a falta de medidas concretas e a ausência de menções ao tema nos discursos do presidente Daniel Chapo indicam um desinteresse preocupante. O deslocamento forçado de milhares de famílias e o aumento no número de mortes não parecem ser tratados com a urgência necessária.

É fundamental que o governo se posicione de forma clara e adote medidas para solucionar o conflito. Até o momento, a falta de iniciativas e de um plano operacional consistente reforça a percepção de abandono da província e levanta questionamentos sobre qual será o próximo passo do governo diante dessa crise prolongada.

Apesar do contexto político delicado, é inegável a diferença de abordagem entre o atual presidente e seus antecessores. Daniel Chapo não possui um histórico militar ou de envolvimento na área de defesa, ao contrário de líderes anteriores, como Samora Machel e Filipe Nyusi, que tinham experiência direta nesse setor. Essa distinção pode justificar a falta de posicionamento firme sobre a insurgência. Além disso, há dúvidas quanto à existência de mecanismos estratégicos já estabelecidos para lidar com o problema.

Enquanto isso, a população continua à mercê da violência, sem respostas concretas sobre quais medidas serão adotadas. O governo anterior, liderado por Filipe Nyusi, havia anunciado investigações para identificar os líderes dos grupos terroristas e buscar um diálogo em prol da paz e da segurança. Essa pode ser uma via para o novo governo seguir, caso haja interesse genuíno em resolver a crise.

Aspectos a considerar para o futuro de Cabo Delgado

Diante da realidade enfrentada pelo país, espera-se que o governo de Daniel Chapo implemente medidas urgentes para combater o terrorismo e garantir a segurança da população. Caso contrário, a negligência do Estado reforçará a percepção de que Cabo Delgado está sendo deliberadamente abandonado, aprofundando a estratificação social e acentuando a desigualdade no país.

A União Europeia (UE) já demonstrou disposição para apoiar Moçambique na erradicação da insurgência, como reafirmado em um encontro recente realizado em Maputo, no dia 21 de janeiro de 2025. No entanto, é preciso que o governo moçambicano tome a iniciativa e estabeleça um plano estratégico para utilizar esse suporte de forma eficaz.

Se nenhuma ação concreta for tomada, há o risco de que a insurgência continue se expandindo, agravando ainda mais a instabilidade nacional e evidenciando a fragilidade das Forças de Defesa e Segurança (FDS) em lidar com ameaças internas. Além disso, a perda do controle sobre Cabo Delgado poderia resultar na fragmentação territorial de Moçambique, um cenário alarmante para a soberania do país.

Por fim, mais do que considerar Cabo Delgado apenas pelos seus recursos naturais e econômicos, é essencial que o governo reconheça o direito fundamental da população à segurança, ao bem-estar e à dignidade. A província não pode ser vista apenas como um ativo estratégico para a economia nacional; é preciso que seja tratada como parte essencial da nação moçambicana, cuja soberania deve ser assegurada a todos os seus cidadãos.

Notas sobre a imagem: Fonte: Diário económico, 2024.  https://images.app.goo.gl/gRpZaR8FUdTKttaX6

Sobre autoria: Nordine Abudo Ussene compartilha a autoria deste artigo com Edson Abílio Luciano