Um dos melhores personagens da literatura brasileira
Em 1865, foi publicada uma das principais obras da literatura brasileira até hoje: Iracema. Escrita por José de Alencar e de cunho altamente nacionalista, Iracema fala do amor improvável entre a índia tabajara, Iracema, e o português Martim, um colonizador. A história se inicia quando Martim, ao perder-se na mata, se depara com a índia Iracema que o acerta com uma flecha. Ele não reage por ser alvejado por uma mulher e ela entende que ele não é uma ameaça. Em um ato de paz, Iracema o leva para sua aldeia e Martim é bem recebido por todos (ou quase todos).
Conforme Martim e Iracema se aproximam, uma forte atração cresce entre os dois, o que não pode acontecer, já que Iracema é a virgem consagrada ao deus Tupã. Porém, cedendo ao sentimento, Martim e Iracema se envolvem romanticamente e ela é condenada à morte por quebrar o voto. Assim, os dois fogem a fim de sobreviverem e escapar para que possam, então, viver seu amor.
“Iracema, a virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelos mais negros que a asa da graúna, e mais longos que seu talhe de palmeira. O favo da jati não era doce como seu sorriso; nem a baunilha recendia no bosque como seu hálito perfumado. Mais rápida que a corça selvagem, a morena virgem corria o sertão e as matas do Ipu, onde campeava sua guerreira tribo, da grande nação tabajara.”
Iracema é, provavelmente, uma das mulheres mais fortes da literatura. Consagrada em seu nascimento, ela deveria manter sua castidade durante toda a vida para agradar ao deus Tupã e fazer o néctar que agradava os guerreiros Tabajara. Sua grande beleza nunca fora motivo de desrespeito, pois os índios protegem uns aos outros e respeitam suas crenças e a natureza, mas a chegada de um forasteiro sempre traz uma pequena maldição. Ela se apieda de Martim, que é bem recebido pela maioria e acaba se tornando seu amor. Porém, quando o amor é proibido, acaba trazendo consigo diversos desentendimentos. Assim como os portugueses fizeram ao chegar no Brasil, Martim chegou na tribo tabajara como um amigo, cheio de boas faces e sentimentos, mas acabou destruindo a cultura de todos ali com sua violação à Iracema.
É claro que Iracema escolheu estar com Martim, mas essa analogia entre como Martim conhece os tabajara e como os portugueses chegam ao Brasil é muito bem apresentada na história. Iracema seria condenada por sua transgressão por isso, decide fugir com seu amado e busca auxilio com a tribo inimiga à sua. Ao ver seus amigos mortos, ela sofre e entra em uma profunda depressão. Iracema não apenas perde tudo para ficar ao lado de Martim, como logo percebe que ele deseja voltar à sua antiga vida e pátria e isso a deixa ainda mais deprimida. Ela não quer que Martim seja seu cuidador e não acredita que ele deveria desistir de tudo por ela, mas se entristece por não ser o suficiente para o homem que ama.
Debilitada física e emocionalmente, Iracema se descobre grávida. Ela acaba dando à luz sozinha enquanto seu esposo parte para protegê-la. Seu leite seca devido à pouca força física que possui e ela acaba morrendo pouco depois, mas não sem antes entregar o seu filho a Martim e nomeá-lo Moacir, o fruto de seu sofrimento.
O sofrimento de Iracema fala muito sobre a cultura indígena e também sobre a cultura de casamentos nos séculos XVIII e XIX. Quando passa a ser “esposa” de Martim, torna-se sua propriedade e necessita ficar ao lado dele. Porém, o real desejo dele era reaver sua antiga vida. Iracema não quer ser um empecilho, mas ela também não tem para onde voltar, já que desistiu de tudo, sua vida, família, amigos e crenças para estar ao lado dele. Perceber a falta de reciprocidade torna tudo isso ainda mais devastador do que seria em outra situação.
Sua força para gerar uma nova vida em meio a todo esse caos é inimaginável. Seu filho nasce de seu sofrimento e perdas e terá um lugar ao lado de seu pai na sociedade, mas nunca em sua tribo. Mais uma vez, ela desiste de sua origem e cultura por Martim. A mulher era vista como propriedade do homem, não importando seus gostos e paixões se, não forem similares aos do marido. Ela perde sua identidade como filha do pajé, a índia dos lábios de mel consagrada à Tupã, guardiã do néctar, para se tornar Iracema, não mais importante do que o desejo do marido de retornar à sociedade.
Assim, Iracema nos mostra a realidade do que é se sacrificar pelo outro, perder a si mesmo no processo e às pessoas que ama. Ela é forte e enfrenta tudo isso e, tanto por sua habilidade como índia quanto por sua força emocional, ela se tornou um ícone da literatura brasileira e uma das mais importantes representações da mulher nativa, forte e guerreira deste país. Ela mostra a importância da herança cultural e de respeitar nossa terra a fim de fazer parte dela, cumprindo nossas responsabilidades e mantendo a cabeça sempre erguida!