Afinal, o que é licença poética e quando usar?
“Por sorte existe a licença poética para que os escritores mais loucos possam se respaldar no direito que têm de enlouquecer outrem.”
– Graça Leal
Quando falamos em licença poética, existe muita divergência de opiniões sobre o que realmente significa essa nomenclatura. Para muitos, é apenas uma desculpa para escrever errado. Para outros, é “fazer graça” ou “rir de quem não sabe escrever usando palavras”. Na verdade, a licença poética tem o objetivo de aproximar o poeta do leitor, deixar um pouco de lado as formalidades e entrar nos regionalismos ou formas de escrita popular para deixar de lado as metáforas e frases subentendidas que precisamos reler diversas vezes com um dicionário do lado para entender.
Segundo o dicionário Michaelis, licença poética pode ser definida como a “liberdade que toma o poeta de alterar as normas da gramática ou da poética”. Um bom exemplo de licença poética é a música “Caipira”, de Chitãozinho e Xororó.
“O que eu visto não é linho
Ando inté de pé no chão
E o cantar de um passarinho
É, pra mim, uma canção
Vivo com a poeira da enxada
Entranhada no nariz
Trago a roça bem ‘prantada’
Pra servir o meu país”
Obviamente, os compositores sabem que essa não é a maneira culta e gramaticalmente correta de escrever, mas, ainda assim, utilizam-se desse modo de escrita para aproximar-se da fala do povo do campo, sem estudo e que diariamente faz trabalhos braçais que exigem muito esforço para fornecedores de todo o país. Assim, os compositores buscam enaltecer o estilo de vida desse povo humilde e retratar suas conversas e canções da maneira como diriam eles mesmos.
Entretanto, o uso da licença poética não é bem aceito em todos os meios e nem o uso da palavra ou conceito em si. Ao analisarmos a fundo, precisamos não apenas entender seu uso ou desuso, mas entender também a grande carga de conhecimento linguístico que acompanha esse conceito.
Em nosso caso, é fácil perceber que a língua portuguesa deriva do latim (portanto chamada língua latina). O português é uma evolução do latim vulgar trazido pelos colonos romanos de III a.C., com influência de outros idiomas e substrato céltico. A partir dessas evoluções, no século XIII d.C. tivemos o tão estudado galego português, que possui diversas obras literárias que são objeto de estudo até hoje como, por exemplo, O auto da barca do inferno ou as famosas trovas e cantigas.
Por que é importante conhecer essa origem?
Para entender que, de acordo com a linguística contemporânea, não existe um “falar errado”. Sendo o propósito da língua a comunicação, toda comunicação bem sucedida é certa independendo da escolha de palavras ou uso das normas gramaticais. O que acontece com a escrita é que deve haver uma padronização gramatical para ajudar na preservação dos textos literários e na compreensão de estudantes que não têm o português como língua nativa e, portanto, não entendem suas derivações.
Em textos mais voltados à arte, principalmente na música, é comum o uso da licença poética porque são criações que retratam com vivacidade o estado de espirito e emoções do compositor. Não que a poesia também não o faça, mas ela é muito mais estética estruturalmente em letra do que a poesia ou obras literárias no geral.
Buscando essa definição no inglês, podemos encontrar uma descrição mais completa e entendível do que em português.
Poetic license
Noun
The freedom to depart from the facts of a matter or from the conventional rules of language when speaking or writing in order to create na effect.
(A liberdade de se distanciar dos fatos de um assunto ou das regras convencionais da linguagem enquanto falando ou escrevendo para criar um efeito.)
Tendo em mente essas regras, você pode se utilizar da licença poética não apenas para se aproximar do falante, mas também para criar diferentes efeitos estéticos ou emocionais. Percebemos no meio editorial o quanto é difícil tanto para novos escritores quanto para profissionais do livro usar assertivamente a licença poética e entender quando o autor o fez de propósito e quando deve ser corrigido. Por isso é sempre bom deixar que as pessoas que trabalham com você conheçam seu background a fim de manter os efeitos que você deseja em sua escrita e no trabalho de edição!