Existem aqueles novembros que passam em branco, com pessoas reclamando e retratando a Consciência Negra de forma equivocada. Uns dizem que é o mês da “paciência negra”, outros questionam por que não existe um dia da consciência branca ou humana. Em contraponto a toda essa distorção da percepção sobre a realidade concreta, há os Novembros Negros! Negros porque expressam a consciência sociopolítica de pessoas africanas e afrodescendentes diante da profunda desumanização e desvantagem que o racismo nos impõe no Brasil.
Neste ano de 2024, a poética da Consciência Negra de Oliveira Silveira e a genialidade política de Steve Biko ressoaram nos passos dados pelos estudantes do Campus dos Malês da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira, em São Francisco do Conde, Bahia. Esta universidade, que em 10 anos de presença no Recôncavo Baiano já contribuiu para a formação superior de mais de 2.000 estudantes afro-brasileiros e africanos de cinco nações diferentes, tem como missão específica “formar recursos humanos para contribuir com a integração entre o Brasil e os demais países membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), especialmente os países africanos, bem como promover o desenvolvimento regional e o intercâmbio cultural, científico e educacional” (BRASIL, 2010). Com currículos que incluem componentes sobre África e sua diáspora, a UNILAB avança em inovação e descolonização, mas ainda carece de uma política de integração intercultural que contemple as experiências históricas de emancipação dos povos africanos e afrodescendentes, presentes entre técnicos administrativos, discentes e docentes.
Essa lacuna se reflete na não incorporação, por exemplo, de datas como o Maio de África, o Julho das Mulheres Afro-Diaspóricas e Africanas, e os meses das independências dos países africanos de língua oficial portuguesa (PALOP) ao calendário institucional da universidade.
Diante dessa negligência, os próprios atores da universidade assumiram a responsabilidade de promover a integração inter-africana. Foi nesse contexto que o Novembro Negro Unificado foi idealizado e realizado pelos estudantes. Pela primeira vez, em uma década de existência do Campus dos Malês, todas as associações estudantis de todas as nacionalidades se reuniram para construir uma agenda conjunta de atividades acadêmicas, oficinas, eventos culturais e desportivos. Ao longo de todo o mês de novembro, de 3 a 22, as atividades do Novembro Negro Unificado estiveram presentes nas salas de aula, no auditório, na quadra e nos corredores, mas, sobretudo, na garra e no coração daqueles e daquelas que acreditam no propósito de integração Africana.
Nós, estudantes pretos, mostramos que, apesar do descaso institucional, somos a integração. Somos nossa própria possibilidade de mudança. Reconhecemos as dificuldades e os desafios que, por vezes, parecem intransponíveis. No entanto, quando acreditamos em nós mesmos, nada e ninguém pode nos deter.
Na ilustre palestra da professora Claudilene Silva, aprendemos que a Consciência Negra é fruto de um processo que nos leva a reavaliar o passado, nos erguer no presente e projetar um futuro coletivo de liberdade e realização para pessoas pretas. Nossas trajetórias de “tornarmo-nos negros” (politicamente e mentalmente, não apenas esteticamente) são ricas. Precisamos valorizar as histórias de vida de nossos ancestrais, de nossos mais velhos, de nossas crianças e de nossa juventude.
Como ponto alto da agenda, tivemos a organização do I Festival Gastronômico Africano-Brasileiro, realizado no Nzó MutalesiKongo, em São Francisco do Conde. Esse festival pan-africano de culinária reuniu pessoas africanas de diversos lugares, como Angola, Guiné-Bissau, Chade e afro-brasileiros, para uma confraternização em uma tarde de sexta-feira com Candomblé, Samba e Capoeira. Foi um momento histórico para a articulação entre povos pretos no Recôncavo da Bahia, marcando também a diplomacia de povos de matriz Angola-Kongo na região. Com a parceria da Casa de Angola na Bahia, tivemos a honrosa presença do Rei dos Ovimbundos, Rei Ekuikui V, em território africano diaspórico. Foi emocionante testemunhar o reconhecimento mútuo entre povos separados há séculos pela escravidão, mas que jamais abandonaram seus valores civilizacionais, mantidos como expressão da identidade cultural afrodescendente.
As comunidades tradicionais de matriz africana são muito mais que espaços religiosos; são lugares de proposição, diplomacia, translocalidade e resgate das pontes entre África e sua diáspora.
Reiteramos que nosso Novembro Unificado foi Negro! E veio para ficar na história do Campus dos Malês. Somos Malês, somos aqueles e aquelas que se levantam e resistem diante do imobilismo, da precarização, da sabotagem e da opressão. Somos aqueles e aquelas que têm coragem de dizer: “Aqui não. A Consciência é Negra, resultado da luta de nossos mais velhos ao longo do século XX, e exigimos que este Novembro, em unidade, seja Negro.” Por isso, há novembros e Novembros. Não nos confundam.