Todos os dias nós, redatores da Polo, buscamos histórias interessantes para motivar o dia a dia de nossos queridos leitores. Diversas vezes encontramos relatos inspiradores, pessoas que lutaram contra as adversidades de sua época para criar obras que atravessaram o tempo. Escritores que lutaram contra seus problemas pessoais e sociais para seguirem seus sonhos, criaram novos estilos e ideias e inspiraram gerações.

A história que trazemos hoje não é literária em sua origem, mas ouvi-la foi tão inspirador que não foi difícil escrever sobre seu contexto, sua origem, sua importância e sobre o homem que foi gentil o bastante para nos oferecer esse relato.

Esta história começa em 6 de dezembro de 1957, em São Paulo,  quando foi criado o Esquadrão Pelicano. Em 1972 o esquadrão foi transferido para a Base Aérea de Florianópolis (SC) e, em 1980, para a Base Aérea de Campo Grande, onde opera até hoje e onde nossa história se passa.

É necessário ressaltar o porquê do Esquadrão Pelicano ser tão importante. Devido à sua localização estratégica em Mato Grosso do Sul e por responder ao Alerta SAR (Search and Rescue), o Esquadrão Pelicano se tornou um dos mais importantes da Força Aérea Brasileira. São mais de 25 mil horas de voo, 3 mil operações e 6 mil pessoas resgatadas (dados desatualizados, mas que mostram o quanto é necessário para o Brasil).

Além de resgatar civis isoladamente, o Esquadrão também age como suporte às operações da FAB resgatando aeronaves civis, militares, navios e embarcações. Eles são preparados para atender emergências em terra ou mar, com diversos profissionais em sua equipe, desde mecânicos a médicos que são levados às missões. Esse esquadrão nunca dorme: funciona 24 horas por dia e está sempre pronto para salvar seus conterrâneos, não importa onde estejam.

Nós tivemos o prazer de ouvir o relato de João Pedro da Fonseca Elia, Coronel Aviador, hoje reformado da Força Aérea Brasileira. Em 1985, o Coronel Elia comandou esse Esquadrão cujo lema é “Para que os outros possam viver”. Incrível, não? O Coronel conta sua experiência com orgulho, saudade e deixa claro que com este relato não tem objetivos de se promover, mas de compartilhar conosco as missões que vivenciou quando trabalhava no Esquadrão. De todas essas missões que o Esquadrão fez, o Coronel Elia nutre um carinho especial por essa que tivemos o prazer de ouvir e que narraremos nesta matéria.

 

Na noite de 24 de maio de 1985, o coronel já havia finalizado oficialmente seu dia de trabalho, mas a prontidão de 24 horas era norma do Esquadrão, face às características de suas missões. Nesse contexto, chegou um Jipe em sua casa às onze e meia da noite comunicando uma chamada urgente para uma MMI, denominada nos manuais do esquadrão de “Missão de Misericórdia”. Não demorou para que o Coronel Elia se aprontasse para se dirigir à sala de rádio de sua base, onde ouviu a voz angustiada de uma médica de uma pequena cidade do MS, chamada Porto Murtinho. Essa cidade fica a mais ou menos uma distância de voo de uma hora e dez minutos de Campo Grande e, sabendo disso, a médica entrou em contato com o Esquadrão Pelicano.

Infelizmente não temos o nome dessa médica, afinal, já fazem alguns bons anos, mas sempre será possível lembrar que, também graças a ela, mais uma vida foi salva naquela noite quente de maio. A médica procurou o Esquadrão Pelicano para pedir ajuda, pois recebera uma paciente, menina, que havia sido picada por uma cobra. Após realizar os procedimentos padrões, a médica percebeu que a situação era de gravidade e que a menina não resistiria até o amanhecer se não fosse levada para um hospital mais bem equipado. Era preciso uma Missão de Misericórdia (MMI) para salvar a vida dessa garota.

Analisando a situação, o coronel sabendo tratar-se de uma pista de pouso não preparada para operação noturna, e como ela se localizava em um destacamento militar, pediu para ser chamado o Comandante do mesmo, no que foi prontamente atendido.

Nas palavras do coronel:

     Assumiu o rádio um Capitão cujo nome infelizmente não lembro. Fiz algumas perguntas sobre as condições meteorológicas locais. Ele disse que não chovia, e que o vento era calmo. Decidi então acionar a missão. Perguntei se ele teria condições de juntar latas tipo de cerveja em quantidade suficiente para colocá-las ao longo da pista, preenchê-las com estopa ou um pano e embebê-las com querosene e espaça-las  a uma distância de 10 metros uma da outra, dos dois lados da pista, e acendê-las às 01:10h quando previa chegar em Porto Murtinho. Ele respondeu que sim, e que eles se encarregariam disso. Aqui cabe ressaltar algo muito importante, principalmente aos jovens que lerem esse texto: a doutrina de cooperação e disciplina entre as Forças Armadas do Brasil.

Era uma madrugada de verão com céu limpo, ainda assim, na escuridão do Pantanal, a missão embutia riscos elevados. Pousar um avião nessas circunstâncias é uma missão arriscada para todos os envolvidos, mesmo que muito bem-preparados. E nessa situação é fundamental lembrar do lema do Esquadrão: PARA QUE OUTROS POSSAM VIVER. Pensando nisso e tomados pela coragem e senso do dever, esses heróis valorosos Pelicanos da Força Aérea Brasileira foram em frente.

Era tarde, mas na base do Esquadrão Pelicano sempre há uma aeronave abastecida e uma tripulação alerta. Para uma missão tão arriscada, também foi preciso solicitar à médica residente de Porto Murtinho que nos avisasse caso o quadro da garota piorasse irreversivelmente, afinal, as vidas da tripulação também estavam em risco nesse resgate.

Essa missão seria muito perigosa devido à falta de visibilidade, por isso, em vez de levar um enfermeiro e um médico, como de costume, o Coronel optou por levar apenas o tenente médico Carlos Alberto, o copiloto tenente Gonçalves, (que nos dias de hoje é Oficial General da Força Aérea Brasileira), o 2º Sargento Rocha e o 3º Sargento Marcos Vinícius. No relato da Missão, a médica informou que a paciente apresentava um quadro de septicemia, que consiste em uma infecção generalizada em resposta a bactérias.

Decolaram à meia-noite e vinte. Apesar de receosos pelo pior, os integrantes do esquadrão tinham esperança de terminar aquele dia salvando mais uma vida. Uma hora depois da decolagem, no meio da imensa escuridão da região, começaram a avistar as luzes da cidade de Porto Murtinho. Enquanto a aeronave se aproximava, puderam ver que a solicitação do Coronel havia sido atendida: duas fileiras de luzes, parecendo velas ao vento podiam ser avistadas. Estavam alinhadas, mas percebeu que algumas já estavam se apagando. O tempo para fazer aquele pouso seria reduzido e o sucesso dependeria dos competentes membros do esquadrão.

Podia-se ver que as latas no final da pista, que haviam sido acesas mais tarde, estavam mais claras. Tudo indicava que aquele era o alinhamento certo e o procedimento para o pouso foi iniciado. O grau de profissionalismo, disciplina e desprendimento da tripulação foi excepcional. Parece que a própria natureza colaborou, pois era uma noite limpa e sem chuva.

A aeronave iniciou o procedimento para pouso, baixou a altitude e aproximando-se da pista repararam que a coloração no alinhamento das velas era distinta da escuridão do pantanal, o que era positivo, pois pressupunha algo diferente de árvores, provavelmente era a pista. É importante ressaltar que, na aviação, há um momento em que se deve diminuir a velocidade e baixar o trem de pouso para fazer a aterrissagem. Um comando deverá ser dado: full flaps, a partir desse instante, mesmo arremetendo (abortar o pouso), certamente o avião tocaria o solo, a pista ou uma árvore. Por isso, era preciso ter certeza antes de comandar o full flap (1). O piloto em comando precisava decidir. Foi dada a ordem de ligar os faróis, foi confirmada a correção da decisão. Esse momento tenso mostrou o preparo e liderança dos oficiais envolvidos. Em resumo: era pousar ou pousar e o Coronel Elia sabia disso.

O pouso foi bem-sucedido. Ao fazerem a volta na pista, os integrantes do esquadrão avistaram dois carros com os faróis acesos. Apenas o motor esquerdo da aeronave foi cortado, já que era uma luta contra o tempo, pois logo deveriam estar no ar novamente para levar a menina. Da aeronave desceram o Sargento e o Médico e prontamente conseguiram embarcar a paciente, que foi colocada na maca pelo médico do esquadrão, que tomou as medidas necessárias para estabilizá-la naquela aeronave bem equipada. Ainda com um motor desligado, o piloto se dirigiu o avião para a cabeceira da pista para a nova decolagem, e deu a partida no motor esquerdo durante esse taxiamento.

O esquadrão chegou em Campo Grande quase às duas da manhã. Havia uma ambulância da Santa Casa de Campo Grande aguardando pela paciente. Esse foi o final bem-sucedido dessa MMI do Esquadrão Pelicano.

É um procedimento do esquadrão não se envolver pessoalmente, por isso não buscaram saber o que havia acontecido depois com a menina. São relatos de missões que deixam o Coronel Elia muito orgulhoso de sua jornada, de sua tripulação, da confiança que eles tinham nele e da prontidão em desenvolver suas ações.

O Coronel se emociona ao relatar o que aprendeu com seus superiores e o que pôde ensinar aos seus tripulantes. Algumas vezes, não sabemos demonstrar o devido valor aos nossos próprios heroísmos e à trajetória de pessoas como nós, que vivem neste país imenso e compartilham histórias de lugares que conhecemos. Falta o olhar de fora para perceber o quanto nossa jornada foi e é bonita, o quanto tocamos outras pessoas e quantas vidas impactamos diariamente pelo nosso caminho.

Pessoas como a menina salva pelo Esquadrão Pelicano em uma noite quente de maio, sempre lembrarão de como esses heróis deram uma segunda chance à sua vida. Nesses momentos podemos nos lembrar que o verdadeiro heroísmo está em atitudes diárias e não em grandes feitos. Afinal, como citado em uma animação chamada “My hero academia”: heróis não salvam apenas pessoas, heróis salvam corações!

 (1)  Flaps é o nome das superfícies hipersustentadoras do avião, que melhoram sua mobilidade e controle no ar.