Hoje é o dia Mundial das Pessoas com Deficiência, dia 21 de setembro foi o Dia Nacional da Luta da Pessoa com Deficiência… Pessoas especiais por terem 2 datas? Não, simplesmente uma data que ninguém gostaria de passar a fazer parte. São dois dias de “Datas Comemorativas” que não são para comemorar nem para ganhar presentes, são simplesmente mais 2 datas para reflexão, para conscientização e atitudes.

Hoje é o dia dos invisíveis… Aliás, como estamos na pandemia? Talvez nem toquem no assunto pois para a gente é como sempre foi: estudávamos a distância, em uma época sem internet, durante nossas intenções hospitalares e licenças médicas. Mães puxavam seus filhos sem deficiência, pelo menos na década de 90, para que eles mantivessem uma distância “segura” do cadeirante… Se tivessem inventado máscaras de pano na época… Bem, voltando a falar do que muitos achavam ser uma doença contagiosa (lembrando que deficiência não é nem doença e nem contagiosa mas sim uma condição), também eram criativos para nos manterem afastados: escolas, estabelecimentos, parques, playgrounds, transportes, etc sem adaptação alguma e/ou com um responsável pelo local que barrasse o direito básico de ir e vir…

Engraçado minha geração fazer parte da geração Milênio: me sinto mais milenar do que milennial! É por que para quem adquiriu uma deficiência na primeira infância ou já nasceu com uma deficiência, o tempo é outro, ver o mundo hoje é ver um outro mundo e não tem como não falar “na minha época…” para absolutamente tudo, mesmo para os que ainda estão na juventude. 

Muita coisa mudou: hoje as primeira, segunda e terceira infâncias e os jovens de menor idade têm direito a acompanhante nas internações, há brinquedoteca nos hospitais, crianças da primeira e início da segunda infância também têm cadeira de rodas para se locomoverem e assim desenvolverem suas personalidades e autonomia além de poderem brincar de correr com a cadeira, muitas escolas adaptadas, direito automático a refeição gratuita para acompanhantes durante as internações hospitalares para crianças, jovens menores de idade e para idosos (para as pessoas com deficiência entre 18 e 59 anos, apesar do direito a refeição do acompanhante existir na teoria, convênios e hospitais burlam facilmente esse direito pois a menor idade e a fase idosa pode ser comprovada automaticamente, já a deficiência em si, não), etc. No entanto, muita coisa continua na mesma: há ao menos ônibus adaptados, mas depende se motorista, cobrador e passageiros vão deixar o cadeirante entrar (sem contar nos elevadores sempre quebrados), estacionamento reservado há na teoria, mas na prática estão sempre ocupados por veículos comuns, assim como banheiros adaptados são ocupados por pessoas sem deficiência, há recusa em atendimentos prioritários nas filas, há discriminação (mesmo já tendo passado da época em que achavam que pessoas com deficiência física não falavam e tinham doença contagiosa), há falta de acessibilidade, com o cadeirante não podendo, muitas vezes, dar uma volta em seu próprio bairro pois as calçadas são estreitas e tem obstáculos como degraus e postes de luz, que impedem a passagem dos cadeirantes, e as ruas são cheias de aclives, ondulações, buracos, etc.

Atualmente tem emprego devido às cotas, mas as empresas se limitam a fazer o que a Lei obriga apenas, então ou contratam a pessoa com deficiência para não fazer nada ou a exploram fazendo com que ela faça a mesma atividade de cargos mais elevados, mas a registram com o cargo e salário mais baixos, mesmo tendo excelente qualificação e dizem a esse profissional com deficiência que ele não é promovido por ser deficiente e que ele deve dar Graças a Deus por ter um emprego. Alegam não poder promoverem a pessoa com deficiência com elevada qualificação dizendo que somos minoria e que se nos colocassem em um cargo mais alto e mudássemos de emprego, teriam dificuldades de contratar outro deficiente com a mesma qualificação. Daí podem nos perguntar: “essa pessoa com deficiência não deveria procurar a justiça e pedir equiparação salarial?” mas fazemos isso… O problema é que as empresas são como tubarões e compram testemunhas que trabalham na empresa e tem medo de perderem seus empregos e essas testemunhas acabam dizendo qualquer coisa que a empresa pede para elas fizerem… 

Se nos transformássemos em super-heróis nas grandes editoras midiáticas, teríamos o super poder de ficarmos invisíveis, não assim que vestíssemos uma super capa, mas assim que “vestíssemos” nossas cadeiras de rodas. Acontece que não existem super-heróis cadeirantes nem princesas, além de ficarmos invisíveis o tempo todo e não só quando desejamos.

Empresas dizem: “somos super inclusivos, temos uma diversidade de pessoas com as mais diversas deficiências” mas sempre é para cumprir cota e/ou para deixá-los atrás das câmeras e, atualmente, muitos utilizam pessoas com deficiência falsa, como novelas, por exemplo, o que me faz lembrar da minha leitura sobre o século XVI, quando se usavam mulheres falsas nas peças teatrais ou no século XIX, quando se usavam pessoas pretas falsas (pessoas brancas se pintavam de tinta preta)… Claro que esses dois grupos citados são um dos grupos de pessoas que ainda continuam na luta para ter o mínimo de igualdade de respeito, mas o tema hoje é sobre pessoa com deficiência.

As vezes, ser invisível é bom: o lado positivo é que, se o cadeirante está com sua família de andantes e o assaltam e o assaltante pede para passarem os celulares, é só o cadeirante ficar mudo que não o vêem, assim pelo menos o cadeirante tem o celular poupado! Agora, temos também o lado negativo: se o assalto for diretamente ao cadeirante: acaba tendo maior probabilidade dele ser morto e/ou sofrer agressões físicas, devido ao capacitismo estrutural e demais crenças negativas enraizadas, mas somos invisíveis e a mídia nem toca muito no assunto quando isso acontece… Outro lado positivo de ser invisível é: em um elevador cheio, o cadeirante talvez possa soltar pum que a “culpa” recairá sempre a um andante, já que cadeiras não soltam pum… é, precisamos ser criativos e nos esforçarmos ao máximo para ver o lado positivo e assim podermos viver com mais leveza.

Falei de “cadeiras não soltam pum” pois em público sempre me chamam de “cadeira”. Ex: “a cadeira quer passar”, “cuidado com a cadeira”, etc. Para essas pessoas eu sou a cadeira, não um cadeirante.

Na minha época, essa expressão preciso usar sempre, então cá estou eu de novo, tinham pressa da pessoa com deficiência crescer, pois adultos morrem de dó de crianças com deficiência, colocando sobre as crianças suas “filosofadas” e forma de ver a vida… “Aniversário de 8 anos? Já é grande para ganhar brinquedo! Você tem que querer ganhar o que precisa, como uma cadeira de rodas e precisa entender as coisas!”. Hoje isso melhorou, agora crianças com deficiência podem viver mais o lúdico: existem até órteses com desenhos e cadeira de rodas coloridas, com protetor de rodas estampados com o personagem favorito da criança e rodinhas da frente que se acendem! Ainda temos que melhorar nesse quesito também: fui votar esses dias e havia o banheiro das meninas, todo enfeitado e colorido, o banheiro dos meninos, também todo enfeitado e colorido e o banheiro dos estudantes com deficiência, todo em cor neutra, sem nenhum enfeite, apenas com a informação que era banheiro adaptado! Estamos falando de uma escola de ensino fundamental, não pré-escola, com meninas e meninos já na terceira infância e moças e rapazes no início da juventude, mas o lúdico é sempre bom, não importa a faixa etária, traz sempre mais alegria e os estudantes com deficiência deveriam poder também experimentar esse lado lúdico.

Acredito que no hoje vão fazer aqueles eventos que às vezes fazem: algum ‘shopping’ disponibiliza cadeira de rodas para andantes experimentarem atividades sentados… Eu não gosto nenhum pouco desse tipo de evento pois é, como eu disse, “atividades sentados” se resume apenas a isso e isso vocês andantes já fazem em escritórios, por exemplo. Ter deficiência física, no caso, ser cadeirante com um nível de deficiência moderado ou grave, vai muito além de ficar sentado: nos traz diversas necessidades e procedimentos especiais, agravamentos de saúde, internações hospitalares com frequência, deformidades corporais, etc, são inúmeros agravos, além do que quem não se relaciona com uma pessoa com deficiência moderada ou grave é capaz de imaginar! Penso que esse tipo de atividade só faz aumentar a falta de compreensão, exemplo: “só porque a pessoa fica sentada ela tem, pelo menos na teoria, atendimento preferencial?”. Ficar algumas horas ou dias sentado em uma cadeira jamais vai representar o que é ser cadeirante.

Outra coisa que não gosto é quando dizem que somos um quarto da população, pois isso me passa uma ideia de generalização, sendo que cada deficiência é única! Somos 1 só e cada um deve ter suas necessidades atendidas! Um quarto da população com deficiência inclui todos os tipos e graus de deficiência. Cada um de nós é único.  

Essa generalização trás muita falta de compreensão. Ex: tive extensa e grave lesão medular quando eu era bebê e na empresa onde trabalhei, também havia uma moça cadeirante que teve uma lesão medular mais baixa: ela tinha sensibilidade dos membros inferiores, tinha leves movimentos voluntários, até ficava em pé, trocava alguns passos se segurando em barras de apoio e, só porque ela conseguia usar um banheiro comprido e estreito com barras, onde cadeira de rodas não entrava, queriam que eu também conseguisse usar esse mesmo banheiro! A moça deixava a cadeira de rodas dela do lado de fora e andava se apoiando nas barras para chegar até o vaso sanitário, que ficava no fundão desse banheiro comprido e estreito… Eles me diziam: “mas a fulana também é cadeirante e ela consegue usar aquele banheiro” (não sei se ela precisava passar sonda para esvaziar a bexiga mas tinha total controle de tronco e uma bacia no eixo correto, o que seria um outro fator positivo para usar um banheiro estreito). Como podem perceber com esse exemplo, até mesmo dentro da mesma condição, de lesão medular, há muitas variantes; a empresa, generalizando, esperava de mim algo que não teria condições de fazer.

Existem muitas diferenças entre dois lesados medulares: se acontece na primeira infância, o corpo cresce sentado e sofre deformidades: a escoliose é tão grande que preciona coração e pulmão, a bacia fica rodada, fora de eixo, as pernas ficam curtas, etc. Se lesão alta, a pessoa não tem controle de tronco e fica com abdômen distendido, etc e mesmo sendo tão únicos e diferentes, não somos errados, fazemos parte do previsível, da diversidade e cada um merece atenção e acolhimento de uma forma simples, como as crianças pequenas são capazes de acolher.

Como muitos já havíamos percebido e como a pesquisa da fundação russa Naked Heart comprova com seu experimento científico, crianças pequenas vêem a deficiência com naturalidade! Nascemos sem preconceitos. As crianças mais velhas já imitam as emoções e comportamentos dos pais. Sejamos então como as crianças pequenas, sejamos um mundo acolhedor. Um mundo que discrimina, isso sim é anormal e artificial! Por enquanto estamos em um mundo de cabeça para baixo, justamente por nos esquecermos o que é ser uma criança pequena. Que um dia o mundo desvire e essas datas para conscientização não sejam mais necessárias!