As mulheres da minha família, desde gerações, haviam estudado naquele colégio, o famoso Colégio Sévigné. Portanto, minhas irmãs e eu também tivemos que ser matriculadas na instituição. Era um colégio dirigido por freiras de uma ordem francesa e, assim, as alunas eram obrigadas a cumprimentá-las em francês. Às professoras, “ma soeur” – minha irmã; à Diretora, “ma Mère” – minha mãe.

O colégio não ficava muito longe de casa, coisa de quatro ou cinco quarteirões, mas era um trajeto tão cheio de coisas interessantes que nós nem sentíamos a caminhada pela rua.
Saíamos de manhã cedo e, primeiro, tínhamos que passar pela calçada do Palácio do Governo, muito imponente, todo branco, o belo Palácio Piratini. Se estivesse sendo hasteada a bandeira, teríamos que ficar em posição de sentido; ninguém podia dar um passo a mais enquanto um soldado tocava a corneta com a melodia oficial para a ocasião, notas que jamais me saíram da memória. Se, ao passarmos, a bandeira já estivesse hasteada, era melhor apertar o passo porque já estávamos atrasadas.

Mais à frente, ao lado do Palácio, estava a construção do que viria a ser a grande Catedral de Porto Alegre. Na época, somente a cripta da Catedral estava pronta, e era ali que transcorriam todos os serviços religiosos, da missa às novenas; dos batizados aos casamentos e cultos fúnebres. Entrava-se na cripta por uma rua lateral, novamente uma ladeira.

Ao longo dos próximos quarteirões, passávamos diante de locais importantes: o Museu Júlio de Castilhos, que me fascinava; a casa onde vivera o Dr. Borges de Medeiros, último caudilho gaúcho, de quem meu pai era aparentado; o cartório do tio Sinval, irmão de minha avó paterna, onde meu pai trabalhara desde rapaz até montar seu próprio negócio. Depois, vinha a emoção contida de passar diante do Colégio Anchieta, a versão masculina do nosso próprio colégio esnobe, administrado por jesuítas. Passávamos na hora em que os rapazes também estavam chegando, e isso nos fazia tremer em nossa vaidade feminina incipiente.

Atravessávamos, então, o grande Viaduto Borges de Medeiros, uma obra-prima de arquitetura, uma versão bem mais requintada do que a “nossa” escadaria para vencer o declive muito acentuado. De ambos os lados, em direções opostas, desciam amplos patamares como degraus baixos, com nichos destinados a estátuas, mas geralmente ocupados por mendigos. O viaduto se lançava sobre a Avenida Borges de Medeiros, muitos metros abaixo, onde então abrigava um sem-número de pequenas lojas.

Mais alguns passos e chegaríamos ao nosso Colégio Sévigné, porém tendo que transpor a esquina da enorme Ladeira do Liceu. Curiosamente, não havia mais nenhum Liceu por perto, mas sim uma delegacia de polícia com a carceragem voltada para o colégio, sendo que muitas vezes podíamos ouvir ruídos assustadores através das grades.

Irmã Fernanda era a porteira oficial do colégio, escolhida a dedo pela sua carranca, sua personalidade irritadiça, seu faro para detectar deslizes e erros. Ai de quem fosse notada por vestígios de batom nas maiores, narizes escorrendo nas menores, ou com a saia pregueada do uniforme amarrotada… Era um terror, pois escutar as repreensões de “ma soeur” Fernanda significava humilhação e castigo público.

Felizmente, de um modo geral, a grande quantidade de freiras que nos cercavam era muito culta e bondosa. Nós criávamos apelidos para elas, mas de uma forma carinhosa. Havia a “Teresona”, excelente em Matemática; a “Janinha”, delicada e bonita, mas muito enérgica; a “Janona”, que ensinava Latim; a “Semifusa”, professora de música, e muitas outras.
Havia também os professores leigos, como o de Inglês, apelidado de “Professor To Be”, porque não deixava que falássemos português na aula dele; a extraordinária professora de Português, Dona Augusta, que até hoje me influencia com a lembrança de seus ensinamentos; a “Tony”, professora de Educação Física, enérgica como um sargento; e a professora de História e Geografia, Dona Lina, que me fez apaixonar pelos seus relatos.

À esquerda do grande saguão do colégio estava a Capela. Era linda, o interior em estilo gótico, cenário inesquecível com suas luzes, o cheiro de incenso, o coral perfeito. A capela era domínio de um frade capelão, Frei Antônio, gordo e barbudo, com seus arrotos frequentes cheirando a alho. Éramos obrigadas a nos confessar uma vez por mês, e a penitência extra era a de ter que suportar os odores do frade na cabine fechada do confessionário.

Aquela era uma vidinha bem regrada, com muita ênfase às boas maneiras e ao requinte. Na verdade, a maioria das alunas estava ali à espera de um futuro noivo. Raras pensavam em fazer faculdade, pois ainda permanecia o conceito antigo de que mulher que estuda não casa.

Não percebíamos que estávamos sendo inexoravelmente conduzidas para um comportamento refinado, mas que nos tolhia a visão correta sobre conceitos e preconceitos da época. Ser mocinhas de boa família que estudavam num colégio francês era o nosso grande aval para a sociedade, como garantia de um bom casamento. A vida conseguiu, depois, mostrar-nos os prós e os contras daquela bem-intencionada lavagem cerebral. Cada uma de nós fez escolhas a seu próprio critério. Mesmo assim, às vezes, entre nós, irmãs, nos divertimos em dizer que somos uma espécie em extinção, aquela que tinha boas maneiras, que dizia “por favor” e “obrigada” com gentileza espontânea, que cultivava a elegância sem ser emproada, que escondia cuidadosamente dos outros as suas dificuldades emocionais ou financeiras.
A herança do Colégio Sévigné nos acompanha até hoje, por mais que a reformulemos diante de tantas alterações da vida moderna.