A criação da Organização da Unidade Africana (OUA) em 1963 marcou um ponto crucial na história africana, simbolizando a materialização do sonho panafricanista de união entre as nações do continente. A Conferência dos Estados Africanos Independentes, realizada em 1958 em Acra, Gana, lançou as bases para a OUA, estabelecendo princípios como a primazia da independência política, o apoio aos movimentos de libertação, a formação de uma frente única na Organização das Nações Unidas e o não alinhamento (Kodjo & Chanaiwa, 1993, p. 4).
Mazrui e Falola (1993) destacam que a OUA foi concebida com a missão de garantir a soberania dos Estados recém-independentes, promover a paz e fortalecer a cooperação política e econômica entre eles. Nesse período inicial, os ideais panafricanistas orientaram o desenvolvimento de uma identidade africana comum e a defesa da não interferência externa, priorizando a autonomia política sobre a integração econômica. Kwame Nkrumah, um dos idealizadores da OUA, defendia a criação de uma federação de Estados africanos, acreditando que a união política seria essencial para o desenvolvimento e a segurança do continente.
A OUA adotou o princípio de não interferência nos assuntos internos dos países-membros, o que, embora assegurasse a soberania dos Estados, limitava a capacidade da organização de responder a conflitos internos e promover uma cooperação mais efetiva. Além disso, o nascimento de numerosos Estados africanos entre 1960 e 1964 complicou a tarefa do panafricanismo como movimento de integração, embora tenha facilitado e acelerado seu desenvolvimento como movimento de libertação (Kodjo & Chanaiwa, 1993, p. 6).
O panafricanismo e a integração regional na África ganharam destaque em 1963 com a criação da OUA. Esse marco refletiu o ideal de solidariedade entre os Estados africanos recém-independentes, visando superar as heranças coloniais, fortalecer a autonomia continental, promover o desenvolvimento econômico e garantir a paz. Abarry (1996) define o panafricanismo como uma ideologia que busca a unidade e a solidariedade entre os povos africanos e a diáspora africana, com o objetivo de promover a independência e o desenvolvimento econômico. Mazrui e Wondji (2010) destacam que “a integração regional na África tem sido um processo contínuo desde a independência, com o objetivo de fortalecer a cooperação econômica e política entre os estados africanos” (p. 1272). Complementando essas perspectivas, Assis, Ribeiro e Garcia (2022) argumentam que “a integração regional africana enfrenta desafios significativos, mas também possui um potencial enorme para promover o desenvolvimento econômico e social do continente” (p. 57). Ao longo das décadas seguintes, a OUA serviu como um fórum para negociações diplomáticas e para a criação de alianças regionais que buscavam fortalecer o continente contra pressões externas. No entanto, Mazrui e Falola (1993) apontam que a OUA enfrentou críticas devido à sua limitada eficácia em mediar conflitos e promover um desenvolvimento mais equitativo. Em um contexto de intensos desafios econômicos e políticos, o projeto de integração africana enfrentou barreiras complexas, como a fragilidade institucional e as rivalidades nacionais.
Ao mencionar os primeiros passos do panafricanismo institucional (1963-1970), a escolha de 1970 como ponto de referência final pode ser arbitrária, mas geralmente se refere ao período inicial após a fundação da OUA. Este período é significativo porque abrange os primeiros sete anos de atividades da OUA, durante os quais ela estabeleceu suas bases e enfrentou desafios iniciais na promoção da unidade, solidariedade e cooperação entre os países africanos recém-independentes. Nkrumah, um dos principais defensores do panafricanismo, destacou a importância da solidariedade prática e estratégica entre os Estados africanos. Ele argumentou que a independência política deveria ser acompanhada por uma cooperação econômica e política mais estreita, afirmando que “a verdadeira independência só pode ser alcançada através da unidade africana” (Nkrumah, 1963, p. 45).
A partir da década de 1970, a OUA começou a enfrentar novos desafios, como a Guerra Fria, que trouxe influências externas mais complexas, e o surgimento de novas independências em países africanos, o que demandou adaptações nas estratégias e prioridades da organização. Por isso, o período de 1963-1970 é frequentemente visto como uma fase formativa e de consolidação inicial para a OUA.
Esse período inicial, que se encerra em 2002, revela, portanto, os primeiros passos e os desafios de um projeto de unidade continental em construção. A transição para a União Africana simbolizou a continuidade desses ideais, mas com uma proposta renovada, voltada para uma integração prática e operacional capaz de responder às demandas do século XXI. A análise desse recorte nos permite observar como o panafricanismo, inicialmente idealizado como um movimento político e cultural de libertação, evoluiu para um projeto institucional de desenvolvimento e cooperação, mais ajustado às realidades do continente e às pressões externas.
Referências bibliográficas
- Abarry, A. S. (1996). African Intellectual Heritage: A Book of Sources. Temple University Press.
- Assis, C. C. de, Ribeiro, R. A., & Garcia, A. S. (2022). Integração regional africana: panorama, avanços e desafios.
- Falola, T., & Mazrui, A. A. (1993). Africa since 1935: The end of colonial rule and the road to independence. In General History of Africa, VII: Africa since 1935. Paris: UNESCO.
- Kodjo, E., & Chanaiwa, D. (1993). Pan-Africanismo e libertação.
- Mazrui, A. A., & Wondji, C. (2010). General History of Africa VIII: Africa since 1935. Oxford: UNESCO/Heinemann.
- Nkrumah, K. (1963). Africa Must Unite. Boston: Little, Brown and Company.