Foi num fim de tarde, daqueles em que a cidade parece mais inquieta do que o normal. Uma mensagem chegou pelo WhatsApp até mim: um parente próximo me contou que o pai havia sido assaltado na Barra Funda enquanto esperava um Uber depois de deixar o carro num mecânico. Não foi apenas o roubo do celular — algo que, admito, já vejo como quase corriqueiro nessa nossa São Paulo tão cheia de contrastes, inclusive no meu bairro, Brooklin distante da Barra Funda. O que me chocou e me deu medo foi a frieza e a precisão com que o ladrão agiu e, claro, porque reconheci também ter esperado na calçada um UBER com o celular na mão.

Imaginei a cena com uma clareza desconfortável e levado pela emoção de estarmos vulneráveis escrevi para contar para todos como foi e como que essa situação, na minha imaginação, poderia ter um final mais feliz com uma saída favorável a quem sofreu este ataque, que na realidade todos somos prováveis vítimas de um assalto.

O céu estava carregado, mas não de nuvens. Era o brilho azulado que emanava das ruas, reflexo das telas que dominavam os transeuntes. Ele estava ali, parado na calçada, segurando o celular com as duas mãos, os olhos fixos no ícone do UBER que se aproximava. A moto surgiu do nada, um ronco breve, o esticar de um braço, e pronto. Aquele gesto rápido transformou a luz da tela em escuridão.

Enquanto via o ladrão desaparecer no horizonte, algo congelou dentro dele. Era um misto de incredulidade e medo, um vazio onde antes havia rotina. O que aconteceu depois foi um borrão: o relato para a polícia, os olhares compassivos das pessoas ao redor, a tentativa atrapalhada de lembrar senhas e acessar o computador para bloquear aplicativos. Tudo isso parecia distante, como se fosse um espectador da própria tragédia.

Anos antes, ele havia comprado o celular com o orgulho de quem segura o futuro nas mãos. Lembrava-se de como adorava deslizar os dedos pela tela e acessar o mundo inteiro, enquanto sentia que o aparelho era mais que uma ferramenta, era um amuleto. Contudo, nunca imaginou que essa tecnologia o tornaria vulnerável. Agora, o mesmo objeto que lhe dava poder também havia se tornado a isca perfeita.

“Você sabe que esses caras atacam quem está distraído, né?” dissera sua esposa um dia, ao vê-lo caminhando pelas ruas, celular em punho. Ele riu, achando que estava acima do perigo. “Relaxa, é só questão de sorte.”

Não era.

De volta ao presente, ele pensava no quão rápida havia sido a ação. Não foram mais que alguns segundos. Por que nunca imaginou que isso poderia acontecer? Que ingenuidade foi essa de acreditar que o perigo era algo que acontecia com os outros, nunca com ele?

Pelo menos, foi o que pensou até ouvir o policial:
— “Eles usam o celular desbloqueado. Em minutos, conseguem esvaziar contas, fazer PIX, compras… É uma operação coordenada.”
— “Coordenada?” ele perguntou, os olhos arregalados.
— “Sim. Tem um cara que rouba, outro que espera pra fazer as transações. Eles operam rápido, sabem que têm no máximo meia hora antes de você bloquear tudo.”

Ele sentia o coração apertar a cada detalhe. Não conseguia evitar imaginar a si mesmo como parte de uma engrenagem fria e metódica, reduzido a números de cartão e senhas. Pior, sentia-se culpado. Como fora tão descuidado? Tantas vezes a esposa o alertara. Tantas vezes ele ignorara.

Decidiu que precisava entender mais sobre o que tinha acontecido. E, para isso, mergulhou em uma investigação própria. Começou a frequentar fóruns, a ler relatos de outros roubos, a observar os padrões. Descobriu que havia uma rede por trás, uma operação maior que um simples ladrão de rua.

Dias depois, estava parado em um semáforo quando viu algo familiar. Uma moto, o mesmo capacete vermelho, o mesmo vulto. Não podia ser coincidência. Ele seguiu a moto de longe, o coração batendo como um tambor. Quando o viu parar em frente a um prédio decadente, uma onda de adrenalina o impulsionou. Ligou para a polícia, relatando o que tinha visto.

— “Você tem certeza de que é ele?” perguntou o atendente do outro lado da linha.
— “Absoluta. Eu sei que é o mesmo.”

As viaturas chegaram rápido. O ladrão foi pego enquanto digitava algo no celular, talvez uma senha, talvez mais um golpe em andamento. Ele assistiu tudo à distância, uma mistura de triunfo e vazio.

O caso se desenrolou na delegacia. Descobriu-se que o homem fazia parte de uma rede maior, um esquema que vinha aterrorizando o bairro há meses. A vítima recuperou parte do dinheiro, mas não o senso de segurança. Ele sabia que a tecnologia continuaria sendo uma faca de dois gumes, um instrumento que nos conecta, mas também nos expõe.

Naquela noite, em casa, enquanto explicava para a esposa e os filhos o que havia acontecido, prometeu que nunca mais subestimaria o poder de uma tela – nem a esperteza de quem sabe usá-la contra nós.


Se essa história tem alguma lição, talvez seja a de lembrar que precisamos estar presentes. Não apenas no sentido de evitar distrações em lugares públicos, mas de realmente estarmos conscientes do que carregamos, do que valorizamos, e de como podemos encontrar formas de equilibrar segurança com liberdade. Porque, no fim das contas, viver também é isso: navegar entre riscos e cuidados, buscando um meio-termo que nos permita continuar seguindo em frente.