Recife é uma cidade completamente inserida na grande literatura brasileira, possuindo excelentes escritores, tanto no passado (e que até hoje são lembrados como cânones) quanto no presente (em especial, devido à literatura underground).
Um dos principais literatos recifenses da história foi Manuel Bandeira, um dos expoentes da primeira fase modernista. Mesmo tendo viajado ainda criança para o Rio, Bandeira continuou a alimentar sua paixão pela “Veneza Brasileira” (um aspecto muito palpável em sua poesia). Para se ter uma ideia, um de seus poemas mais conhecidos é “Evocação do Recife”, onde o escritor visita as suas lembranças de uma maneira belíssima, citando lugares bem familiares para quem mora nessa cidade, como a Rua da União.
Sim, Bandeira é um dos exemplos que mostram que Recife possui uma boa tradição na área da poesia. Uma tradição, inclusive, que remete à época do revolucionário Frei Caneca, religioso que além de ser um dos articuladores da Confederação do Equador, também era poeta. Só que, ao contrário de Bandeira, a poesia de Caneca não tinha o mínimo de exaltação nostálgica pelo Recife, tendo como tema uma dura crítica política. Sua obra não está inserida em nenhum movimento literário propriamente dito, mas podemos dizer, sim, que a sua pequena (mas expressiva) literatura foi um importante expoente de seu tempo.
Falando em mais poetas recifenses, um que, inclusive, escreveu um lindo texto em homenagem a Frei Caneca foi João Cabral de Melo Neto. Ganhador de importantes prêmios literários e tendo feito parte da Academia Brasileira de Letras, Melo Neto pertenceu à terceira geração modernista, construindo uma obra que remete muito à sua cidade natal, desde os temas abordados à construção visual dos seus cenários. Foi, merecidamente, considerado o maior poeta da língua portuguesa por ninguém menos que Mia Couto.
Além dos ícones de uma geração surgidos no início do Modernismo, outros escritores nascidos em Recife merecem atenção. É o caso do poeta Antônio Maria, homenageado com uma estátua sua na tradicional Rua do Bom Jesus, no bairro do Recife Antigo. Sua literatura dialoga bastante com a obra de Vinícius de Moraes, fazendo parte, portanto, da segunda geração modernista, tendo, portanto, como característica uma musicalidade inerente às palavras. Não é à toa, que, além da poesia (e assim como Vinícius também), Antônio Maria era um ótimo compositor musical, sendo considerado o rei do samba-canção na década de 1950.
E falando na junção de literatura e música, vale lembrar Marco Polo Guimarães, que, além de poeta e jornalista, também é compositor, tendo sido um dos integrantes da seminal banda de rock psicodélico Ave Sangria na década de 1970. Sua arte, tanto literata quanto musical, está intrinsecamente ligada à geração underground dos anos 70, graças à contracultura dos hippies que influenciou muito do que era feito aqui na época.
Como deu para notar, a literatura no Recife é notória em termos de poetas. Isso se deve muito ao fato de que a poesia pode expressar melhor certas ideias e emoções, ainda mais quando se referem a uma cidade tão cheia de contradições. Portanto, não é nenhuma surpresa que muitos desses poetas também fossem, de alguma maneira, engajados, como é o caso de Solano Trindade, cuja vida pessoal foi bastante marcada pelo ativismo político. Trabalhando de operário a colaborador da imprensa, Trindade idealizou, na década de 1930, o I Congresso Afro-Brasileiro no Recife. No campo da literatura, o seu maior momento fica por conta do lançamento do seu primeiro livro, “Poemas de Uma Vida Simples”, de 1944, que, assim como muitos escritores da época, tinha bastante influência da terceira geração modernista.
Interessante notar como, mesmo fazendo parte de períodos históricos diferentes, muitos escritores recifenses (em especial, poetas) conseguiram fazer da poesia uma forma de engajamento. Essa característica pode ser encontrada tanto nos clássicos do passado, quanto nos independentes do presente, em estilos e propostas distintos. Por exemplo, enquanto Melo Neto retratou tão bem o drama de retirantes e miseráveis em uma cidade grande, Solano Trindade foi um autêntico ativista pelos direitos dos negros. Hoje em dia, a poesia em Recife continua forte e altamente crítica, tendo com um de seus alicerces, o movimento concretista, abolindo a métrica e outras convenções em nome do conteúdo.
Nessa seara, um dos melhores escritores recifenses que temos hoje em dia é Miró da Muribeca, grande poeta popular que começou a sua carreira escrevendo de uma forma bastante lírica, mas que depois enveredou para uma obra de forte crítica social, muito por conta da violência constante que sempre presenciou na capital pernambucana.
Outra poetisa (sim, Recife está se tornando um cenário profícuo em termos de mulheres escritoras) que merece especial atenção é Odailta Alves, autora de “Clamor Negro”, cujas tiragens de livro são independentes, tendo um bom alcance tanto em Recife quanto em Pernambuco. E, assim como Miró, a obra de Odailta é fortemente marcada por críticas de cunho social, com especial enfoque na luta por direitos da comunidade negra.
Miró e Odailta são partes de um todo bem maior, e que vem ganhando espaço recentemente na cidade graças a encontros de grupos literários espalhados pela cidade, e que podem ser facilmente encontrados nas tão populares redes sociais. A maior parte da escrita dessa nova geração é de enfrentamento, algo que está historicamente entranhado em Recife.
Como deu para notar, a literatura recifense é ampla. Criativa. Pulsante, até. Uma arte que não parou no tempo. Que não se acomoda. E renova-se. Não importa se é poesia, crônica ou romance; a “Veneza Brasileira” continuará sendo inspiradora para a forte, lírica e engajada literatura local, nacional (e, por que não?) universal.
Erick Henrique da Silva
Equipe de redação da PoloBlog
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