Sou escritora. A palavra tem poder. Sim, sou escritora. Depois de um longo caminho (foram mais de 30 anos), entrei para esse exclusivo grupo de pessoas que pode se apresentar dessa forma: escritora. Pronuncio a palavra es-cri-to-ra bem devagarinho para que o tempo pause e o eco ‘fique deixando’ a palavra longa e ela não silencie, esse é meu passatempo preferido. Escritora. Eu ainda estou aprendendo a fazer isso, tenho um longo caminho a percorrer. Escrever é mesmo fascinante! Uma atividade incomparável, prazerosa e incrível.

Um sonho que me perseguiu desde a minha adolescência. Meu primeiro livro lido voluntariamente foi a biografia de Enrico Fermi, que veio parar em minhas mãos por acaso. Eu achava bonito me sentar com um livro nas mãos, fosse ele qual fosse, e me pôr a ler com meus óculos recém-adquiridos. Não era apenas pela “pose de intelectual”: ler era um passatempo, um refúgio, uma necessidade. Eu adorei a história do homem que inventou a bomba nuclear, isso é tudo que posso dizer sobre sua vida. Não me lembro do resto, eu tinha 13 anos de idade.

Minha geração ouvia que para ser feliz, bastava o homem nascer, crescer, casar, ter um filho, escrever um livro, e morrer. Esse era o objetivo de vida das pessoas do “meu tempo”. Para as mulheres, não havia muita perspectiva. A meta de felicidade era o casamento.

Por sorte, li os grandes clássicos ainda na escola, antigo Segundo Grau. Ao completar o que é hoje o Ensino Médio, já tinha lido alguns bons livros dos principais autores brasileiros.

Quando eu estava com 19 anos, um livro me marcou muitíssimo. Meu primeiro amor me presenteou com um livro de Gabriel Garcia Marques, “O Amor nos Tempos do Cólera”, esse livro me arrebatou! A criatividade de Gabo, sua escrita inventiva e romântica me conquistou. Li todos os seus livros importantes e os desimportantes também. Ele é meu autor preferido. Sua morte me entristeceu profundamente, grandes homens não morrem, se transformam em estrelas. Gabo é minha constelação completa.

Os anos foram passando, a vontade de escrever me acompanhando, mas nenhuma perspectiva de fazer esse desejo se materializar. Eventualmente, um e outro amigo me diziam: “Fernanda, você deveria começar a escrever”. Amigos jovens, experientes, idosos, e de todos os níveis sociais me incentivavam a fazer isso, me davam esse conselho: “Você deveria escrever um livro”.

E foi então que, aos 47 anos, me envolvi em uma pesquisa que viraria um livro, uma quase biografia do Padre Xico. Depois que a proposta foi aceita por ele, que tem uma trajetória fascinante, comecei a costurar essa “colcha coloridas de retalhos” e resistência. Por ser um padre progressista que está muito além de seu tempo, sendo respeitado e até mesmo temido. Contar sua história foi um grande desafio, pois as vertentes são muitas. Um colega jornalista havia começado esse trabalho alguns anos antes, eu utilizei seu roteiro e minha intuição.

Padre Xico fala sem meias verdades sobre celibato, sobre mulheres, sobre pedofilia e tantos outros assuntos polêmicos sem rodeios e com franqueza. Ele está à frente da mesma paróquia há 55 anos. Recebeu um terreno da Diocese de Campinas com a tarefa de construir uma Igreja. Realizou esse trabalho e foi além. Além da religião. A Paróquia de Santa Rita de Cássia realiza um trabalho social sério para a comunidade, atuando ainda na área de educação para crianças até o primeiro ano do ensino fundamental. Suas missas são modernas, sua igreja tem um altar redondo, a homilia é provocativa. Padre Xico completará 80 anos em outubro e está em plena forma.

Depois de alguns meses de pesquisa, comecei a escrever. Exercícios físicos, meditação, nada de álcool. Escrevi o livro em três meses e vinte e cinco dias.

Um grande desafio que tivemos foi encontrar uma editora. Que entendesse as particularidades do projeto e do (quase) biografado, que orientasse essa escritora de primeira viagem, que nos guiasse. Pesquisamos bastante, apresentamos a ideia para algumas outras editoras e finalmente, através de uma propaganda, encontramos a PoloBooks. A Poloprinter acreditou no projeto e desde a nossa primeira conversa, está sendo importantíssima e absolutamente sensível as minhas limitações e às particularidades do projeto. Nos orientou e ajudou a dissolver a insegurança. A assessoria que a editora ofereceu contribuiu para que tudo desse certo e saisse como sonhamos. Fui muito bem recebida no escritório da editora, em São Paulo, e com um saboroso café à moda paulista, o qual bastante me agrada, mineira de meia-pataca que sou.

O Editor me fez a oferta de escrever um texto para o Blog, andei as voltas com ideias diferentes sobre o que escrever. Achei importante compartilhar com os leitores essa trajetória e contar sobre essa paixão. Mesmo com o mercado de livros em baixa, reflexo do mal momento político que vive nosso país, achei pertinente falar dessa experiência. É fácil falar de amor, é fácil falar de algo que te inspira. Padre Xico é uma inspiração para o seu rebanho, e foi uma inspiração para mim. Ainda que eu não seja católica, reconheço nele esse poder.

Agora me resta outro aprendizado. Preciso aprender a conviver com a solidão deixada pela conclusão do livro.  Não sinto falta do que deixei de fazer enquanto escrevia, nada foi perdido nesse período.

Agora que o livro ficou pronto e está sendo finalizado na gráfica, o mais difícil é saber o que fazer com a minha vida sem ele. Eu ando desnorteada, perdida dentro da casa, querendo me encontrar com meu livro, sentindo a falta dele… Como uma paixão que se foi, vivo o luto do livro acabado.

Não sei quando o próximo amor chegará para preencher os meus dias…

Fernanda Otero, 47 anos é Escritora, Jornalista e Professora de Inglês. E o que mais vier pela frente.