Quando eu chegava em casa, após o meu terceiro turno de aulas na escola, lá estava ele, segurando o colchonete e me fitando com os olhos inundados de desejo:

— Mamãe, ainda não apareceram! Elas estão nos aguardando. Vamos?

Sem demora, íamos para o quintal, debaixo do pé da jabuticabeira. Ali, deitávamos no colchonete à espera delas, contemplando a noite, desfrutando da experiência onírica do momento.

— Por que as estrelas se movimentam? Por que elas piscam? Por que parecem todas brancas na escuridão? Por que elas formam desenhos no céu? Por que em um dia a lua parece uma bolacha, noutro vira um bumerangue?

E as perguntas — ampliadas mais pela imaginação e por outras provocações do que por respostas — atravessavam a noite até o menino cair no sono, em paz.

Vez ou outra, tomada pelos sentimentos poéticos, eu arriscava entoar uma canção doce trazida pela memória, e de repente me via cantarolando “As Pastorinhas”, de Dalva de Oliveira, para nosso deleite:

“A estrela d’alva
No céu desponta
E a lua anda tonta
Com tamanho esplendor
E as pastorinhas
Pra consolo da lua
Vão cantando na rua
Lindos versos de amor.”

Nos dias em que chegava em casa com mais tristezas — por causa das dores da vida que, às vezes, superam as alegrias — escolhia a boniteza sem fim de Luiz Gonzaga para nos acalentar:

“Se a lua nasce por detrás da verde mata
Mais parece um sol de prata prateando a solidão
E a gente pega na viola que ponteia
E a canção e a lua cheia a nos nascer do coração
Não há, ó gente, ó não
Luar como esse do sertão
Não há, ó gente, ó não
Luar como esse do sertão
Coisa mais bela nesse mundo não existe
Do que ouvir um galo triste no sertão que faz luar
Parece até que a alma da lua que descansa
Escondida na garganta desse galo a soluçar.”

O fascínio do meu filho Vinícius pelas estrelas me inquietava. Pedia para contar e recontar mil vezes as histórias das constelações.

Ao despontar no céu as Três Marias, ele as apontava com o dedo e dizia:

— Samira Maria, Sílvia Maria e Ciuslene Maria.

Ríamos de sua esperteza ao recitar o nome das três irmãs da família — todas Marias na vida — e eu fazia questão de complementar seu poema, no mesmo ritmo, claro, com o apoio do Milton Nascimento, só para vê-lo dar uma gargalhada:

“Mas é preciso ter força, é preciso ter raça
É preciso ter gana sempre
Quem traz no corpo a marca, Maria, Maria
Mistura a dor e a alegria
Mas é preciso ter manha, é preciso ter graça
É preciso ter sonho sempre
Quem traz na pele essa marca possui
A estranha mania de ter fé na vida.”

A curiosidade não tinha limites:

— Mamãe, por que o anoitecer é escuro? Se a gente pedir, papai do céu faz a noite durar para sempre?

Diante da sabedoria do pequeno, só mesmo a amorosidade da poesia de Silvio Caldas para nos embalar nos sonhos:

“A porta do barraco era sem trinco
Mas a lua, furando o nosso zinco
Salpicava de estrelas nosso chão
E tu pisavas nos astros distraída
Sem saber que a ventura desta vida
É a cabrocha, o luar e o violão.”

Ao ouvir o pedido — Mamãe, conta a história das constelações de Órion e do Escorpião! — sabia que Vinícius se interessava pelos livros que líamos sobre a mitologia grega e as lutas que os deuses, as criaturas míticas, os heróis e heroínas travavam no universo. Por isso, dava asas à imaginação nessa narrativa, para que seu desejo de ouvi-la novamente fosse despertado sempre.

Entre uma história e outra, sussurrava em seu ouvido:

— Eu te amo muito, como daqui até a lua, no caminho de ida e volta, mil vezes infinito.

O pensamento rasgava a noite, buscando em Guimarães Rosa um suspiro:

“O senhor não escutou, em cada anoitecer, a lugugem do canto da mãe-da-lua.
O senhor não pode estabelecer em sua ideia a minha tristeza quinhoa.
Até os pássaros, consoante os lugares, vão sendo muito diferentes.
Ou são os tempos, travessia da gente?”

E assim, as noites enluaradas nos aqueciam, reverberando sonoridade em nossas mentes e corações.