Lidar com o machismo sempre foi uma luta diária e exaustiva para diversas mulheres. Desde entenderem que podemos votar até entenderem que podemos cuidar do nosso corpo da maneira que preferirmos e diversificar os padrões de beleza, as pioneiras sempre sofreram muitos preconceitos. Quando eu era criança, era comum ouvir que uma mulher com roupas curtas queria chamar atenção e merecia ser assediada na rua, ou que mulheres decentes não deviam se dar ao luxo de certos comportamentos. Assim como diversas amigas, já fui taxada de diversas coisas por ter mais amizade com homens do que mulheres, sendo chamada de vagabunda e afins. Obviamente, era difícil acreditar que um homem procuraria uma mulher apenas pela amizade. Até hoje isso é muito difícil de acontecer! (Saudades da minha adolescência).
Dessa facilidade para conversar com homens, é muito fácil crescer e passar a evitá-los. Por quê? Porque entendemos que essas amizades que vários dizem que não existe, muitas vezes não existe de fato. Quando chega a idade de procurar relacionamentos, fica ainda mais difícil fazer amizades. Com mulheres porque ainda existe muita competição. Com homens porque, quando veem que seu interesse não passa de amizade, logo param de te dar atenção. É assim que vive a geração livre e desapegada: não quer o que eu quero? Não perderei meu tempo.
No meio de tudo isso, é irônico dizer que algumas das coisas mais machistas que ouvimos durante a vida vem das mulheres de nossas famílias. Nossas mães pensam que somos muito moderninhas por não nos prendermos. Nossa avó, tão boa dona de casa e carinhosa, acha um absurdo que possamos sair sozinhas, pintar as unhas com cores escuras e chegar a essa idade sem um namorado ou sem filhos. Nossa bisavó então? Se ainda estiver viva, muitas vezes vai ficar de queixo caído por bebermos e chegarmos em casa tarde.
Obviamente nossa família nos ama e querem que sejamos felizes. Isso inclui sermos felizes socialmente, longe de julgamentos e das más línguas. Elas nos dizem coisas nocivas sem perceber e acabam carregando muitas atitudes machistas pela criação que tiveram. Isso é muito comum e reproduzimos muitas dessas atitudes sem perceber. Vamos ver algumas delas?
1. Uma mulher de verdade ergue um homem
Essa é a frase mais clichê do mundo. Sabe aquela moça de boa índole que acaba ficando com um cara que bebe, a trai, a ofende, mas aguenta tudo isso até que ele muda e se torna o melhor marido do mundo? Essa mulher é idolatrada por todas as mães. Claro que é uma história de superação bonita, mas será que essa mulher devia passar por tudo isso? Será que se, desde o início, estivesse com um homem que a respeita, não teria uma vida mais promissora e maiores chances de ser feliz e realizar seus sonhos? A impressão que temos com essa frase é que o único valor de uma mulher se mostra pelo comportamento do homem ou filhos que tem, que suas próprias conquistas e realizações pessoais de nada valem. Mulheres não são centros de reabilitação! Não devemos consertar maus comportamentos. Se realmente amamos alguém, precisamos deixar claro o que permitimos ou não e lidar com isso de uma maneira que não fira nossa existência. Afinal, antes de cuidar desses homens incríveis, precisamos cuidar de nós mesmas.
Citando o livro “sejamos todos feministas”, da africana Chimamanda Ngozi Adichie:
“Pensamos na palavra ‘respeito’ como um sentimento que a mulher deve ao homem, mas raramente o inverso. Tanto o homem quanto a mulher dizem: ‘eu fiz isso porque queria paz no meu casamento’. Mas quando os homens dizem isso, em geral se referem a algo que eles não deveriam mesmo fazer. É como eles se justificam para os amigos, e no fim das contas isso serve para comprovar a sua masculinidade – ‘Minha mulher disse que não posso sair todas as noites, então daqui pra frente, pra ter paz no meu casamento, só vou sair nos fins de semana’. Quando as mulheres dizem que tomaram determinada atitude para ter ‘paz no casamento’. É porque desistiram de um emprego, de um passo na carreira, de um sonho.
2. Você cortou o cabelo? Mas seu marido gostou?
E não é só para cortes de cabelos que ouvimos isso. Essa pergunta vale para tatuagens, maquiagem, roupas, etc. Em tudo o que fazemos, nossas amigas ou familiares querem saber da aprovação do homem. Essa maquiagem pesada? Não é coisa que homem gosta. Cabelo curto também não é elegante e sexy como cabelo comprido. Afinal, somos bonecas de nossos namorados e maridos? Nosso estilo e nossas preferências são uma autoafirmação de quem somos, do que gostamos e da cultura em que vivemos. Se “nosso homem” não gostar, talvez ele não goste tanto de nossa personalidade, certo? Por que não perguntam ao homem se a mulher gostou de ele tirar a barba ou cortar o cabelo, ou se ela está gostando desses quilinhos a mais ou relaxo ao se vestir? A aparência é válida de qualquer um dos lados e acredito que higiene básica seja fundamental, mas o tamanho do meu cabelo ou largura da minha cintura dizem respeito apenas a mim, certo?s
3. O homem não procura fora o que tem em casa
Essa é provavelmente uma das piores frases ditas sobre relacionamento. Além de termos de nos esforçar muito para ser a segunda mãe, ensinar, aguentar desaforos e manter a aparência que agrade, também somos responsáveis pelas ações do homem fora de casa. Traição masculina já é muito normalizada pelas mulheres mais velhas, como se o homem tivesse um instinto animal que o força a não pensar na hora do tesão. Como se não bastasse, dão um jeito de nos culpar por sermos traídas. Traição não acontece porque não cuidamos do homem ou porque não somos interessantes, acontece por falta de caráter ou, em raríssimos casos, problemas mais profundos. Nunca é culpa de quem é traído. Se fosse, poderíamos trair à vontade também, certo?
Os tipos de coisas que as mulheres ouvem por causa de sua autonomia já são muito tristes, mas parecem doer duas vezes mais quando vêm de outras mulheres. Afinal, não somos todos seres humanos? Por que devemos ser tão mais responsabilizadas pelo aspecto psicológico e social do que os homens? O tempo em que nossas tarefas eram divididas por gênero já se foi há muito. Hoje, dividimos apenas pelo estudo e pela aptidão. Sejamos mais humanos, tanto mulheres com mulheres, quanto mulheres com homens. Todos precisamos de apoio e respeito. Que tal criar essa sociedade hoje?