Estava ansioso para completar dezoito anos a fim de assistir o filme “Tortura do Silêncio”, pois todos meus colegas de internato falavam e discutiam muito sobre ele, sem, contudo dar maiores detalhes, pois eu podia me desinteressar pelo excelente filme que estava na tela do Cine Moderno, no Recife.

Concluindo o então curso colegial, era ligeiramente acometido por dúvidas quanto a definir para qual faculdade prestar exames, Desde pequeno que eu desejava ser médico e, em especial, ortopedista, a fim de cooperar comigo mesmo no sentido de minimizar as sequelas da pólio que contraí aos nove meses de idade.

Completei dezoito anos na sexta feira 05 de outubro de 1962 e, no dia seguinte, sábado, fui assistir ao tão comentado filme.

Resumindo a história, Otto Kellar (O. E. Hasse) trabalha como o guardião da igreja católica de Quebec. Ele acaba assassinando um homem ao assaltar uma casa. Com a culpa corroendo seu espírito, Otto decide confessar tudo para o padre Michael Logan (Montgomery Clift). Algum tempo depois, a polícia começa a suspeitar que Logan tenha sido o autor do crime e a única maneira que o padre tem para limpar seu nome é quebrar o sigilo do confessionário – algo impensável e impossível para um padre. Ele é preso, condenado a muitos anos de prisão, mas jamais quebrou o segredo do confessionário.

Voltei do cinema encantado com a firmeza do padre em guardar o segredo do assassino.

Residia no Seminário, datilografava sermões dos alunos e alguns esboços de aula. Logo me lembrei da matéria Poimênica (O termo “poimênica” vem do grego “poimen” que significa “pastor”. Sendo assim, a poimênica tem a ver com o trabalho pastoral de um modo geral.) onde uma ênfase muito forte era dada ao segredo do Gabinete Pastoral. Não era entusiasta pela homilética (arte de pregar), mas sabia que poderia ser aprendida. Mas o aconselhamento pastoral, o ouvir pessoas, já fazia parte do meu dia a dia com toda certeza.

Decisão tomada. Seria pastor.

Hoje, quase sessenta anos depois, sou feliz por ainda ter o meu gabinete pastoral frequentado, mesmo aposentado e jubilado. O saber ouvir (mais do que falar), dar conselhos, ser paciente e, em especial, guardar segredos, tem sido o meu ministério. Tive exemplos bem próximos como meu pai (Rev. Daniel Moura) e meu sogro (Rev. Américo Ribeiro), dentre outros.

Tenho a alegria de ao longo dos anos receber “filhos por especial adoção”, muitos dos quais estudantes de Teologia (seminaristas), a quem tento passar a importância do Gabinete Pastoral. O padre do filme “A Tortura do Silêncio”, foi condenado e preso, mas jamais revelou o nome do verdadeiro assassino, pois este o procurou no confessionário.

Autor Enos Moura, escritor, Pastor, documentarista, grande ser humano. Já tem várias obras publicadas pela editora PoloBooks.