Vivemos em um mundo em transformação. As estruturas hierárquicas tradicionais, nas quais o poder e as decisões eram centradas em um pequeno grupo de pessoas, estão sendo substituídas por dinâmicas horizontais, onde as relações são mais equitativas e inclusivas. Essa mudança não acontece apenas nas organizações ou nas estruturas políticas, mas também nas nossas relações interpessoais e, consequentemente, em como lidamos com nossas emoções. Neste contexto, a psicanálise se destaca como uma ferramenta poderosa para nos ajudar a compreender nossas emoções e a complexidade das interações humanas.

O grande desafio desta nova era é que, apesar da horizontalidade das relações, a inteligência emocional muitas vezes é abordada de maneira simplista, com soluções “prontas” que desconsideram as particularidades individuais. Essas abordagens tendem a agrupar as pessoas em um formato único, desconsiderando a riqueza e a diversidade das experiências emocionais de cada um. No entanto, como seres humanos, carregamos uma história evolutiva complexa — nossa filogenética — que molda nossas reações e respostas emocionais. É aqui que a psicanálise pode oferecer uma abordagem diferenciada e essencial.

Raul Seixas, em uma de suas reflexões profundas sobre a condição humana, expressa de forma brilhante a dificuldade de explorar novas saídas emocionais: “Você fica trancado dentro de si, bate com o dedo na porta que se transforma em calo, o calo se transforma em ferida, você explode, bate no teto, volta para o chão. Do chão não passa, mas existem várias saídas. Mas você só conhece uma.” Esta metáfora poderosa nos remete à realidade de muitos de nós, que, presos em padrões emocionais repetitivos, não conseguimos encontrar outras formas de lidar com nossos sentimentos e frustrações. Muitas vezes, estamos confinados dentro de uma única narrativa emocional, que, ao invés de nos libertar, nos aprisiona.

A psicanálise, desde sua origem com Sigmund Freud, tem como um de seus principais objetivos revelar essas narrativas inconscientes que controlam nossas vidas e nossas emoções. A partir do momento em que começamos a entender as projeções que fazemos sobre o mundo e sobre as outras pessoas — as famosas “relações projetivas” —, podemos então começar a desconstruir padrões nocivos e abrir novas possibilidades para o nosso bem-estar emocional.

Quando falamos em relações horizontais, estamos nos referindo a um mundo onde o “outro” não é mais alguém que nos domina ou que deve ser dominado, mas sim uma pessoa com quem podemos compartilhar experiências e emoções em um campo de igualdade. Este é um dos grandes desafios da atualidade: conseguir viver e lidar com nossas emoções em um ambiente de maior equidade e, ao mesmo tempo, preservar a nossa individualidade. Aqui, a psicanálise oferece uma perspectiva única, ajudando-nos a identificar de onde surgem nossas emoções e como podemos lidar com elas de maneira saudável, sem cair em soluções generalizadas ou padronizadas.

Nesse sentido, a filogenética tem um papel fundamental, pois nos lembra de que nossas emoções e comportamentos são resultado de um processo evolutivo de milhares de anos. Entender o que nos levou a reagir de determinadas maneiras nos ajuda a aceitar que nem sempre nossas reações emocionais são racionais ou imediatas; elas são fruto de uma longa trajetória de sobrevivência e adaptação. No entanto, com o auxílio da psicanálise, podemos tornar conscientes esses processos inconscientes e, com isso, encontrar novas formas de nos relacionar com nós mesmos e com os outros.

Outro aspecto essencial que a psicanálise nos ensina é o processo de introjeção. Muitos dos nossos conflitos emocionais vêm de como internalizamos aspectos dos outros em nossas vidas. Isso pode ser tanto positivo quanto negativo. Ao reconhecer essas introjeções, podemos começar a diferenciar o que realmente é nosso e o que foi absorvido do ambiente ou das relações externas, ganhando uma compreensão mais clara de nossos sentimentos e desejos.

A inteligência emocional, quando associada à psicanálise, deixa de ser uma prática de simples controle emocional e passa a ser um processo profundo de autoconhecimento e reconhecimento das nossas verdadeiras motivações. Ela não se trata apenas de gerenciar ou suprimir emoções, mas sim de entendê-las em sua essência, para que possamos agir de maneira mais autêntica e construtiva.

Em um mundo onde as saídas para nossos problemas emocionais muitas vezes parecem limitadas, a psicanálise surge como uma das “múltiplas saídas” de que Raul Seixas falava. Ela nos oferece a possibilidade de explorar nossas emoções de maneira profunda e significativa, nos permitindo quebrar padrões limitantes e descobrir novas formas de viver e nos relacionar. Em conclusão, a psicanálise, ao lado da inteligência emocional, pode ser a chave para nos ajudar a navegar pelo mundo contemporâneo, onde as relações horizontais demandam um nível de compreensão emocional e empatia muito maior do que jamais foi exigido antes. Por meio da análise profunda de nossas emoções e da nossa história pessoal, podemos não apenas melhorar nossas relações com os outros, mas também com nós mesmos.