Sempre me disseram que a dor é como um brinquedo: pode ser tocada, observada, até admirada. Cresci acreditando que, ao contrário das histórias tristes, a dor se transforma, que ela é leve, que basta um sorriso, uma palavra doce, ou um toque de compreensão para desaparecer. Fui moldada, talvez sem perceber, por esse otimismo quase infantil, que nos ensina a tratar a dor alheia como uma utopia, uma ilusão passageira, algo que não exige mais do que um gesto simpático para se dissipar.
Lembro-me de um momento em que fui confrontada pela dor de alguém muito próximo. Não vou dizer quem, para que a história não perca seu caráter universal, mas era alguém que, como eu, costumava sorrir diante dos infortúnios da vida. Seu sorriso sempre foi a máscara, a camuflagem, o alívio. Mas, naquele dia, seus olhos, em meio ao choro, diziam algo que eu não soube ouvir.
Ela contou sua história, e eu escutei – ou melhor, tentei. Falei algo sobre “seguir em frente”, “deixar o tempo curar”, como se o tempo fosse uma fada madrinha capaz de estalar os dedos e fazer a dor desaparecer. Achei que estava sendo útil, que estava cumprindo meu papel de amiga, de conselheira. Na minha cabeça, a dor era um objeto, algo com um começo e um fim bem definidos, algo que podia ser minimizado ou até eliminado com as palavras certas.
Mas eu estava errada. Não percebi que, ao brincar com a dor do outro como quem brinca com um brinquedo quebrado, eu não estava ajudando. Eu estava apenas tentando disfarçar o que era real. Fazia a dor parecer algo menor quando, na verdade, era gigantesca, imensa, silenciosa e, muitas vezes, solitária.
Nunca aprendi a brincar com a dor do outro. E talvez nunca vá aprender, porque a dor não é algo com que se brinque. A dor é um processo. A dor é um espaço entre o antes e o depois, um espaço em que ninguém pode entrar sem ser convidado. Ela não se resolve com um simples “vai passar”. E, por mais que meu impulso fosse esse – dizer algo que aliviasse o peso –, falhei em entender que a dor de quem sofre precisa ser respeitada, não suavizada com palavras fáceis.
Tive a impressão de que, ao tentar aliviar a dor com frases clichês e conselhos simplistas, eu estava tirando dela sua legítima gravidade. Estava, de certa forma, desvalorizando o sentimento profundo que habitava aquele ser humano, que era muito mais complexo do que qualquer fórmula mágica ou consolo rápido.
E aí, no meio dessa confusão de pensamentos e sentimentos, percebi que não é o consolo que falta, mas a escuta verdadeira. A dor do outro não se resolve. Ela é vivida. O que realmente podemos fazer, então, é estar ali, não com palavras vazias, mas com presença e paciência. Apenas ouvir. Deixar que o outro fale, sem pressa, sem buscar “resolver”, sem tentar “apagar”. Às vezes, o melhor é ficar em silêncio, porque o silêncio pode ser o abraço que o outro mais precisa.
Naquele dia, ao sair de casa, eu sentia um nó na garganta. Algo que me incomodava, como se eu tivesse falhado de alguma maneira, sem saber como corrigir. Foi só algum tempo depois que percebi que, para realmente ajudar alguém a carregar sua dor, não se trata de dar uma solução, mas de dar espaço. Deixar que a dor seja o que ela é, sem transformá-la em algo menor, sem apressar a cura. Só acompanhar, de perto, respeitando os limites do outro.
Não aprendi a brincar com a dor do outro, e acho que não deveria. A dor não é um brinquedo. Ela é um processo, uma jornada pela qual todos passamos, mas que, muitas vezes, não podemos compartilhar até o fim. O máximo que podemos fazer é estar ao lado, respeitar o tempo, a intensidade e a forma que a dor toma em cada um.
E eu continuo aprendendo.
Leitura simples de um aprendizado além… Sou discípulo dessa escritora… Meus parabéns 👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻
Uma bela lição sobre vida, sobre compreender e importar- se com o outro.
Lourdes trás uma reflexão importante e tão atual a cerca daqueles momentos que precisamos ser colo ou ser abraçado.
Sou fã dela que sempre ensina através do seu dom de falar/ escrever.