Dia 13 de outubro é um dia muito especial para mim, pois é o aniversário da minha esposa, Fátima, que completou nesse dia 60 anos com a mesma carinha e espírito de 34, igualzinho ao dia em que a conheci. Continua assim, nada mudou, a mesma moça de corpo e alma. Sim, 60 menos 34 dá 26 anos, e esse é o tempo que nos conhecemos. No ano seguinte, nos casamos. Fim deste ano, serão 25 anos de casados, e seguimos juntos. Vai ter festa. Passou rápido, parece que foi ontem.
O que nos uniu? Lá atrás, vinte e cinco anos atrás, nós não poderíamos saber o que nos uniria; apenas intuíamos compartilhar gostos e desgostos, o que foi suficiente para começar o nosso casamento. Muito tempo se passou, e ainda continuamos a descobrir preferências que criam e mantêm a nossa convivência. Estou falando de nós, nossa essência, não das experiências de vida juntos, que nos trouxeram desafios, derrotas e vitórias. Nesta nossa vida a dois, vivemos mais gostos do que desgostos.
Essa essência que nos uniu está relacionada à cultura, uma preferência que definiu a minha vida desde sempre. Na juventude, flertava com a política para discutir com amigos, mas a política sempre foi suja e desonesta. Por isso, desde cedo, comecei a ler muitos livros, dos clássicos aos contemporâneos, ouvia música popular de qualidade, ia muito ao teatro e assistia a inúmeros filmes. Se você perguntar à Fátima sobre isso, ela dirá que foi assim também e continua igual hoje. Só que a Fátima é uma enciclopédia, um Google, sabe muito mais do que eu. Ela lembra o nome de um ator coadjuvante numa novela esquecida ou lembra nome de artistas com uma facilidade e precisão impressionantes.
Por isso, posso dizer que somos almas gêmeas. Este conceito se aplica a quem tem muito em comum. Este conceito é antigo; muitos acham que é jargão de novela, mas o conceito de almas gêmeas surgiu na Grécia Antiga com o filósofo Platão, em sua obra “O Banquete”. Até a Cabala desenvolveu a teoria de que, quando uma pessoa nasce, outra alma é criada para equilibrá-la. Demoramos, mas nos encontramos, fui casar com a Fátima quando já tinha 45 anos.
Falando em cultura, adivinhem onde foi nosso primeiro encontro? Na Livraria Cultura da Avenida Paulista, famosa livraria de São Paulo. Eu morava perto da Paulista e marcamos de nos encontrar uma noite, logo após às 18h. Foi emblemático ter escolhido esse local. Acho que, naquela época, eu já pensava em escrever este artigo para explicar, convincentemente, nossa paixão.
Mas, procurando por semelhanças, por identidades, nada se compara ao que vou contar agora, onde todos os fios se unem. Recentemente, há exatos dois meses, nos mudamos para o apartamento onde a Fátima morava quando começamos a namorar. Naquele tempo, ela morava com os pais neste apartamento no Brooklin, bairro que ela escolheu por ser próximo ao consultório que abriu com uma colega da Faculdade de Odontologia da USP. Antes, morava no Tatuapé.
O que vou contar agora sobre nossa identidade é suficiente para mim, não preciso provar mais nada. Mudamos para este apartamento, e fui montar meu escritório no antigo quarto da Fátima, que ela havia decorado ao seu gosto. Apesar de já ter entrado inúmeras vezes aqui, foi quando coloquei meus livros, que são muitos, nas estantes que percebi estar num espaço que reproduzi em todas as casas onde morei. Sempre carreguei comigo uma mesa para escrever e estantes para livros. E agora, neste quarto, a Fátima já havia montado uma escrivaninha e estantes nas paredes para meus livros e os dela.
E este é outro ponto sobre nossa identidade. Disse que não contaria mais nada, mas rapidamente: entre os muitos livros dela e os meus, havia vários duplicados. Sim, ela comprou e leu os mesmos livros que eu, como “Memórias, Sonhos e Reflexões” de Jung, “O Poder do Mito” de Joseph Campbell e “Cem Anos de Solidão” de García Márquez. E há muitos mais, demoraria muito para citar todos os livros duplicados. Minha surpresa foi imensa ao ver este espaço de trabalho e leitura, exatamente como sempre vivi.
Paro por aqui, mas há muito mais para contar em outro dia.