Desde sempre, a solidão e a literatura andam juntas, e às vezes, até parecem irmãs. Escrever exige introspecção, e para a maior parte dos escritores, é preciso estar só, ao menos, fisicamente, para poder escrever.

Sem a terrível, temida e abençoada solidão, para quase todos os escritores é impossível criar personagens, imaginar suas idas e vindas, suas dores e suas alegrias. Há algumas exceções, como Gertrude Stein, a poetisa e feminista norte-americana, que adorava escrever no meio do burburinho, e até quando ia de passageira em um veículo em movimento!

A solidão também é o tema, principal ou coadjuvante, de grande parte da produção literária universal. E não poderia deixar de ser assim, haja vista que a solidão faz parte da condição de ser humano.

Hoje queremos falar da solidão manifesta ou não em vários personagens da literatura. Vemos diferentes facetas da solidão em personagens que conhecemos, como a solidão por escolha, como preparação para uma missão, uma obra ou uma nova fase da vida. Os grandes mestres precisaram da solidão e a procuraram, para se preparar para suas grandes missões.

Como Jesus, que foi ao deserto durante 40 dias e 40 noites. Segundo algumas traduções e interpretações, para ser tentado. Outros acreditam que ele precisava estar só e enfrentar os próprios temores, antes de começar a sua missão. O mesmo se deu com Sidarta, antes de transformar-se em Buda, e com muitos outros.

Também é fartamente presente na literatura e na história a solidão do exílio, voluntário ou não.

E quando falamos de exílio, é preciso lembrar dos grandes heróis latino-americanos, que no fim de suas gestas libertadoras, terminaram no exílio, como José de San Martín e José Artigas. No caso destes próceres, havia uma imensa inconformidade com o fracasso parcial de suas lutas. San Martín não conseguiu fazer da sua sonhada grande pátria latino-americana, uma realidade. E Artigas se sentiu abandonado e traído em seus ideais, pelos próprios “orientales” que ele ajudou a libertar das coroas espanhola e portuguesa. Enfim, eles se sentiam sós. E lá se foram passar sozinhos os seus últimos anos, lembrando as suas glórias e fracassos e lambendo suas feridas, como os gatos se afastam quando estão por morrer. A solidão então parece terrível, como em um dos mais conhecidos e importantes poemas de Carlos Drummond, e parece mesmo falar da solidão destes homens, que também se chamavam José:

José

“E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
E agora, José?
E agora, você?

….

Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho.

A noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
não veio a utopia,

Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;

Sozinho no escuro
qual bicho do mato,
sem teogonia,
sem parece nua para se encostar,
você marcha, José!

Carlos Drummond de Andrade também escreveu muito sobre temas que evocam solidão e tristeza, o amor impossível e a falta de esperança, como em “Os ombros suportam o mundo”.

“Em vão as mulheres batem à porta; não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
Mas na sombra teus olhos resplandecem enormes…”

Até mesmo Vinícius de Moraes, o poetinha, conhecido por sua vida mundana e aparentemente alegre, e que parecia eternamente abençoado pelo amor e pela amizade, escreveu sobre a solidão em uma de suas obras em poesia e prosa. No livro “Para viver um grande amor”, descreveu a solidão de várias formas e discorreu sobre qual seria a suprema solidão, e terminou dizendo:

“… a maior solidão é a do ser que não ama. A maior solidão é a do ser que se ausenta, que se defende, que se fecha, que se recusa a participar da vida humana. A maior solidão é a do homem encerrado em si mesmo, no absoluto de si mesmo, e que não dá a quem pede o que ele pode dar de amor, de amizade, de socorro. O maior solitário é o que tem medo de amar… de ferir e de ferir-se.”

Parece ser que a solidão alimenta a alma de poetas e poetisas de todos os tempos e de todos os lugares. Alfonsina Storni, Pablo Neruda, Atahualpa Yupanqui escreveram e cantaram a solidão.

Mas seria esta solidão dilacerante a única maneira de estar só? Certamente não. Às vezes, o estar só durante um tempo é condição fundamental para a evolução. Calar os sons exteriores e até os da mente precede ao momento da criação. Como a noite, e seu momento mais silencioso e escuro precede o nascimento do novo dia.

Érico Veríssimo em sua principal obra, a trilogia “O Vento e o Tempo”, fala em seu segundo volume sobre Ana Terra, personagem a quem dedicou um capítulo. E esta mulher é um dos principais personagens de toda a obra. Ela vivia com o pai e dois irmãos, em um fim de mundo no interior do sul do Brasil. A solidão era tão imensa que passavam-se meses sem que ninguém chegasse perto do rancho de terra batida de Ana Terra. E acabou por viver uma aventura amorosa com um índio, Pedro, que por lá passou, e ficou… Mas Ana Terra engravidou, seu pai e irmãos mataram Pedro, e ela ficou só.

Ana Terra criou sozinha o seu filho, mas ela era forte, e queria viver. A mãe morreu, e ela suportou sozinha a dor, pois era ignorada por seus parentes. Contudo, houve um momento que creio que foi o de maior solidão de toda a vida de Ana Terra. Seu irmão tinha se casado, e tinha mulher e filho, viviam no rancho com eles. Souberam que vinham pelo caminho homens castelhanos que estavam estuprando, incendiando e matando. Ana Terra resolveu então mandar a sua cunhada com seu sobrinho e seu filho Pedro para o monte, se esconder. Ela não poderia se esconder, pois a casa tinha coisas de mulher e eles perceberiam que estavam escondidas e as pegariam no monte. Por isso resolveu ficar com os irmãos, o pai e os escravos, que os inimigos chegassem. Imagino muito esse momento de tremenda solidão, esperando o pior, esperando a morte, sua e dos outros, e a dor de deixar o filho. Mas Ana Terra sobreviveu aos estupros, à morte de todos os homens e ao fim da casa e de tudo o que tinham, pelo fogo. Imagino a solidão desse momento de estar viva, com todos mortos à sua volta.

Com o tempo se recuperou e se sentiu decidida a viver uma nova vida com o filho, e foi o que fez. Começou uma nova vida, levou sua tesoura, que lhe foi útil em sua nova profissão de parteira, trazendo ao mundo crianças, em contraponto a toda a dor e solidão que viveu antes.

A solidão, então, ainda que indesejada, acabou por dar seus frutos, de força, decisão, coragem, uma nova vida e a suprema alegria de ajudar a outras mulheres a trazerem seus pequenos ao mundo.

Por aqui ficamos por hoje, pensando na solidão, e nas oportunidades de crescimento que ela pode trazer, e esperamos seus comentários. Conhece algum personagem literário cuja solidão o transformou de alguma maneira? Fique à vontade para comentar, é muito bom que esteja conosco.

Graciela Botella
Equipe de redação da PoloBlog

https://www.culturagenial.com/poemas-de-carlos-drummond-de-andrade/
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