Escrevo este artigo em contraponto à visão do cientista e escritor Robert Maurice Sapolsky, apresentada em seu livro Determined: The Science Of Life Without Free Will. Sapolsky defende que a criação do universo não ocorreu de forma harmoniosa e propõe, com base em uma visão determinista, que não há livre-arbítrio. No entanto, essa proposta, fundamentada na teoria do caos — princípio aplicado em “sistemas dinâmicos” pela matemática —, não parece condizente com a realidade atual do universo.
Sapolsky argumenta que a sociedade foi construída com a ideia de que as pessoas deveriam se sentir culpadas por falta de controle. No entanto, isso não reflete os tempos atuais, em que dificilmente uma pessoa física ou jurídica assume culpa por suas ações. Um assassino em série, por exemplo, pode não sentir remorso pelos atos que cometeu. Segundo o neurocientista, “somos a soma do que não podemos controlar.” Discordo radicalmente. Acredito que o ser humano é livre e responsável por seu comportamento, e o descontrole só se instala se permitirmos.
No direito penal, pacientes com transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) que cometem crimes horríveis muitas vezes são defendidos com a justificativa de que a patologia impede o controle das atitudes. No entanto, essa alegação nem sempre corresponde à verdade.
O conceito de livre-arbítrio tem raízes históricas. De Libero Arbitrio, de Santo Agostinho, discute a liberdade humana e a origem do mal moral. Neste diálogo com seu amigo Evódio, escrito em 395, Agostinho diferencia livre-arbítrio de liberdade. Para ele, o livre-arbítrio é a possibilidade de escolher entre o bem e o mal, enquanto a liberdade é o bom uso desse poder de escolha. Assim, o homem nem sempre é livre quando exerce o livre-arbítrio; tudo depende do uso que ele faz dessa capacidade.
Em termos práticos, o livre-arbítrio está ligado à vontade. A vontade é um ato, enquanto o livre-arbítrio é uma faculdade. Essa faculdade permite liberdade total para pensamentos, sentimentos e atitudes, sendo uma decisão individual como lidar com cada escolha.
No Espiritismo, o livre-arbítrio é central: a doutrina sustenta que os atos praticados não são predeterminados, e cada pessoa é responsável pelas suas escolhas. À medida que a inteligência se desenvolve, aumenta a responsabilização pelos atos praticados.
Na filosofia, o livre-arbítrio contrasta com o determinismo, que defende que todos os eventos são causados por fatos anteriores e que o ser humano não pode ser responsabilizado por seus atos. Newton, em sua terceira lei — ação e reação —, afirma que para cada ação há uma reação com intensidade igual e sentido oposto. Assim, todas as forças formam-se e anulam-se aos pares, criando uma harmonia na física, que se aplica também às ações e reações humanas.
O determinismo sustenta que decisões e escolhas são resultado de causas prévias, sejam elas naturais ou sobrenaturais. Discordo dessa visão, pois as escolhas humanas nem sempre dependem de causalidade. Fatores externos, como desastres ambientais, são previsíveis e resultam, em muitos casos, da negligência humana em cuidar do planeta. A Organização das Nações Unidas (ONU) vem alertando há décadas sobre o aquecimento global, e as reações naturais, como o derretimento das geleiras e o aquecimento das areias, demonstram o impacto das nossas escolhas.
A interferência humana no ciclo natural tem consequências catastróficas. Recentemente, enchentes no sul do Brasil, Indonésia, Afeganistão e Quênia foram consequências de chuvas intensas, já previstas pelos especialistas. O capitalismo selvagem contribui para esses desastres, com construções próximas ao mar e rios, ignorando os riscos ambientais.
O sistema dinâmico, um conjunto de fatos que evoluem com o tempo, pode tornar-se caótico. Pesquisas mostram que, embora fatores biológicos e ambientais influenciem a vida, o livre-arbítrio também desempenha papel importante. Ao contrário do que Sapolsky sugere, não somos apenas produtos de nossos genes e do ambiente. Há inúmeros exemplos de pessoas que, apesar das adversidades, alcançam realizações extraordinárias, mostrando que determinação e resiliência são fundamentais.
Sapolsky passou 30 anos estudando babuínos no Quênia, mas acredito que esses dados não sejam aplicáveis ao comportamento humano em contextos complexos. Ele poderia dedicar seu tempo a estudar grupos terroristas no Oriente Médio, por exemplo, para entender as interações humanas em cenários de violência extrema. Ou então estudar as interações em regiões como o Sudão do Sul, onde a divisão de recursos escassos é uma questão de sobrevivência.
No livro, Sapolsky afirma que a dor pode tornar algumas pessoas agressivas e, ao contrário, tornar outras mais pacíficas. No entanto, cada ser humano é único. Mesmo entre gêmeos idênticos, que compartilham 100% do material genético, encontramos diferenças significativas nas interações sociais.
O progresso moral da humanidade também nos ensina que nem sempre os valores morais atuais foram vistos como óbvios ou intuitivos. Movimentos de abolição da escravidão, direitos das mulheres e direitos civis desafiaram as normas de sua época. Esses avanços foram promovidos por pessoas que questionaram a moral convencional, muitas vezes enfrentando resistência e preconceito. Isso demonstra que devemos manter uma mente aberta e questionadora, pois os julgamentos morais mudam com o tempo.
O cérebro humano, com seus bilhões de neurônios e trilhões de sinapses, é uma estrutura impressionante e complexa. Pesquisas avançadas podem, em breve, permitir diagnósticos neurológicos precisos, ajudando a identificar disfunções neuronais antes que se tornem problemas graves. A capacidade de detectar essas anomalias seria transformadora para a humanidade. Concluo, então, que toda teoria deve ser testada e comprovada. Embora Sapolsky tenha méritos em sua pesquisa, discordo de sua visão determinista extrema. O livre-arbítrio não deve ser visto como um mito, mas como uma faculdade essencial que define quem somos e o que escolhemos ser.
Faz pouco, e depois da publicação do artigo “Livre Arbítrio” assisti uma live sobre este tema, em que os meios de comunicação e, hoje, as redes sociais, invadiram nossas vidas moldando nossa visão de mundo, isso não é de hoje, já Aldous Huxley via isso em “Admirável mundo novo” publicado em 1932. O artigo “Livre Arbítrio” é uma reflexão crítica sobre a visão determinista apresentada por Robert Sapolsky, que sugere a ausência de livre-arbítrio humano. Em oposição, o autor, Ilson Tavares, defende a capacidade de escolha e a responsabilidade individual como componentes fundamentais do ser humano. Trazendo referências de Santo Agostinho e da filosofia, o texto explora como o livre-arbítrio se contrasta com o determinismo, apontando que as escolhas pessoais moldam o comportamento humano, além de influências biológicas e ambientais. A análise promove uma visão otimista e ponderada sobre a autonomia e a ética nas ações humanas.