Apesar de ser um gênero relativamente comum e nomear diversas obras famosas, como Ensaio sobre a cegueira (José Saramago) e Aforismos para a sabedoria de vida (Arthur Schopenhauer), a noção popular quanto ao que é ensaio ainda é muito vaga, sendo que poucos leitores sabem como, realmente, identificar o gênero. Assim, a Polo vem trazer mais um “mini tutorial” para nossos queridos autores e leitores escreverem seus próprios ensaios!


No entendimento popular, um Ensaio é uma obra reflexiva sobre um determinado tema, exposta de maneira pessoal ou subjetiva. Diferente de um estudo, ela é mais ligada à filosofia, não trazendo informações investigadas e aprofundadas sobre o assunto, mas refletindo sobre ele. São textos geralmente breves, que trazem ideias, críticas, reflexões, etc. acerca de um tema.
Assim, podemos entender que o autor escreve sobre o assunto em seu ensaio como escreveria em seu diário. De forma pessoal e sem bases científicas, ele discorre sobre o assunto que chama sua atenção e convida outras pessoas a refletirem também.

“Só num mundo de cegos as coisas serão como verdadeiramente o são.”
(Ensaio sobre a cegueira – José Saramago)

Este gênero literário surgiu no século XVI com livros argumentativos de Michel de Montaigne, que apenas queria divulgar o que aprendera com seus estudos livremente, sem grande embasamento teórico. Posteriormente, o inglês Francis Bacon fez o mesmo.


Os ensaios são divididos, geralmente, em formal, discurso e informal ou comum. No formal, os textos são bem estruturados e objetivos, sobre assuntos didáticos. O discursivo e informal é mais fantasioso, o que o torna ideal para literatura (que é o caso da obra citada de Saramago). Já o comum é mais voltado à fluidez de leitura, o que o fez explodir na Europa do século XIX.

Posteriormente, muitos grandes autores começaram a publicar seus ensaios, principalmente durante o iluminismo, onde diversos filósofos, como Voltaire e Montesquieu, aproveitaram a liberdade para falar sobre seus pensamentos abertamente.

São ensaios pessoais demais para serem artigos de filosofia, mas profundos demais para serem meras crônicas. Eles respondem à antiga máxima “Conheça-te a ti mesmo”, e às vezes certo egotismo fica claro, como quando Montaigne desata a falar sobre suas preferências e – seu assunto preferido – o próprio caráter e disposição. Mas, no processo de investigar a si mesmo, faz análises afiadas sobre os costumes de sua época e de seu país e sobre a natureza humana em geral.
(Isa Prospero – Blog sem serifa)


Aqui vão três dicas de leitura fluídas e fáceis para quem deseja se aventurar no mundo dos ensaios e, quem sabe, escrever seu próprio!


1. Ensaio sobre o bem – Kitaro Nishida
O livro que o leitor tem em mãos é o primeiro trabalho do mais importante filósofo japonês do século XX, Kitaro Nishida, e marca o surgimento da Filosofia da Escola de Kyoto. Nishida é um dos mais originais pensadores de todos os tempos e constrói um sistema filosófico que passa por várias fases distintas, sempre, entretanto, em diálogo com o tema central desta primeira obra: a fundamentação do conceito de “experiência pura”. Ensaio sobre o bem dialoga com a tradição filosófica ocidental a partir de referências fundamentais do budismo, principalmente dos pilares do budismo mahayana, que visam superar todas as formas duais de compreensão da realidade. A tradicional cisão entre sujeito e objeto – presente em importantes correntes filosóficas cas ocidentais – e a necessidade de superação deste paradoxo são o cerne desta obra que marca o início do longo percurso de Nishida em busca de soluções, para nós, pouco convencionais para esse problema. Sem dúvida alguma este livro inaugura uma nova forma de pensar as questões filosóficas da humanidade.

2. Ensaios sobre a liberdade – John Stuart Mill
Nessa obra, Stuart Mill se refere à natureza e aos limites do poder que pode ser exercido legitimamente pela sociedade sobre o indivíduo e desenvolve o princípio do dano: cada indivíduo tem o direito de agir como quiser, desde que suas ações não prejudiquem as outras pessoas. Se a ação afeta diretamente apenas a pessoa que a está realizando, então a sociedade não tem o direito de intervir, mesmo que se tenha a sensação de que o indivíduo esteja se prejudicando: “sobre si mesmo, sobre seu próprio corpo e mente, o indivíduo é soberano”. Stuart Mill diz que o despotismo é uma forma de governo aceitável em sociedades que são “atrasadas”, porque nelas se observam barreiras para o progresso espontâneo. O déspota, porém, deve estar revestido de bons interesses. Stuart Mill trata de defender a liberdade de expressão: a liberdade de discurso é uma condição necessária para o progresso intelectual e social. Permitir que uma pessoa expresse publicamente uma opinião falsa é produtivo por dois motivos: primeiro, os indivíduos são propensos a abandonar crenças errôneas se eles se envolvem em uma discussão aberta de ideias; segundo, ao forçar os outros indivíduos a reexaminar e reafirmar suas crenças no processo do debate, estas são protegidas da depauperação em um mero dogma. Ainda define a liberdade social como forma de impor limites ao governante, assim ele não seria capaz de usar seu poder para satisfazer suas próprias vontades e tomar decisões que podem causar dano a sociedade.

3. Ensaio sobre o louco por cogumelos – Peter Handke
Logo de início, Peter Handke anuncia o tom: “Está ficando sério de novo!”, diz o protagonista, alter-ego bem pouco dissimulado e crítico mordaz do próprio escritor. Nesse jogo de duplo espelho em que o ensejo é saber o quanto há da persona Handke em cada trecho, fato é que temos aqui o último — embora com o Prêmio Nobel de 2019 nunca se sabe ao certo — ensaio autorretratado da série de cinco. O confronto com a escrita percorre e traspassa a série e chega aqui a bom porto, não sem sua carga de ironia e sarcasmo, finamente moldada pelos anos. Handke parodia a si mesmo, faz circunvoluções em torno do escrever e do não conseguir escrever (tão importante quanto), camuflando-se sob as abas de efêmeros cogumelos brotando (como a escrita?) em florestas encantadas. Brotam selvagens e resistentes, contra ventos e intempéries — a metáfora com a escrita nunca é fortuita. Fato é que Handke ou seu irrequieto farejador dos bosques encara todas as dificuldades de mundo em cumprir a meta de escrever um compêndio micológico. O todo em meio a considerações múltiplas, por vezes saborosamente alucinógenas, em que o alterno handkeano cai em reflexão precisa e condoída sobre o que vem a ser a criação literária, e nisso o romancista, dramaturgo, ensaísta e roteirista austríaco é mestre inconteste. E por falar em devaneio, que tal termos aqui um advogado de tribunal internacional (de Haia?) no papel de sábio bufão colhendo seus preciosos fungos de terno e gravata? Em Handke, ao fim e ao cabo tudo tem sua razão e nada é gratuito.

Escrever um ensaio é ótimo para discorrer sobre o próprio ponto de vista acerca de assuntos importantes e para começar a escrever sem medo de errar ou ser julgado (afinal, você está ensaiando, certo?). Recomendo esse gênero literário para todos que precisam de inspiração e explorar novos caminhos!