Nota editorial: Este artigo expressa análise de caráter histórico-sociopolítico e não endossa violência, discursos de ódio ou estigmatização de grupos.
Introdução
O Oriente Médio, berço de grandes civilizações antigas e das principais religiões monoteístas, é também uma das regiões mais marcadas por conflitos. Frequentemente apresentados como disputas religiosas, esses embates têm origens mais complexas, envolvendo vetores históricos, políticos, econômicos e culturais. Este artigo busca compreender as raízes de grupos violentos na região, das origens remotas à era contemporânea, e refletir sobre como religião e política foram instrumentalizadas para justificar ódio e vingança.
1. Origens antigas: antes de Cristo
Desde os tempos pré-cristãos, a região abrigou Suméria, Babilônia, Assíria, Pérsia, Egito e Israel. Pela posição estratégica — encruzilhada entre Ásia, África e Europa — e por suas riquezas (terras férteis e, em tempos modernos, petróleo), o território foi palco de disputas por poder e recursos. Mesmo antes das grandes tradições religiosas, povos locais guerreavam sobretudo por domínio político e econômico, não por crenças espirituais.
2. Religiões e o uso político da fé
O Oriente Médio é o berço do Judaísmo, do Cristianismo e do Islamismo — religiões que, em essência, pregam paz, justiça e misericórdia. Ao longo da história, porém, líderes políticos e religiosos manipularam a fé como instrumento de poder. As Cruzadas, por exemplo, tiveram forte dimensão política sob a roupagem religiosa; o conceito de jihad — originalmente esforço espiritual no Islã — foi ressignificado por grupos radicais como “guerra santa”. Em diversos momentos, a violência “em nome de Deus” serviu de máscara para motivações humanas: conquista, vingança e controle social.
3. Lei de Talião e o ciclo da vingança
A chamada Lei de Talião (“olho por olho, dente por dente”), presente no Código de Hamurábi (c. 1750 a.C.), limitava a vingança ao impor proporcionalidade à punição. Em sociedades tribais e contextos de guerra prolongada, esse princípio, no entanto, converteu-se em cultura de retaliação contínua, perpetuando ciclos de ódio que ecoam até hoje.
4. Séculos XX e XXI: raízes políticas da violência moderna
Os grupos violentos contemporâneos do Oriente Médio — como Al-Qaeda, Estado Islâmico (ISIS), Hamas e Hezbollah — são fenômenos com raízes predominantemente políticas, ainda que travestidas de linguagem religiosa. O período colonial, com fronteiras artificiais impostas por potências europeias, ignorou clivagens étnicas e religiosas locais. A criação do Estado de Israel (1948) e o subsequente conflito israelo-palestino acirraram tensões de longa duração. Durante a Guerra Fria, intervenções externas e disputas por influência fomentaram milícias e regimes autoritários. Em reação à ingerência estrangeira e a crises de identidade, movimentos fundamentalistas ganharam apelo, instrumentalizando símbolos religiosos para justificar violência e projetos de poder.
Conclusão
As raízes da violência no Oriente Médio não residem na religião, mas na manipulação da fé e na persistência de injustiças históricas. O que deveria unir, por vezes serviu à dominação e ao ódio. Reconhecer causas políticas, econômicas e sociais é condição para romper o ciclo de vingança e construir um futuro de paz e respeito entre os povos.
Referências bibliográficas
- ARMSTRONG, Karen. Uma história de Deus: quatro milênios de busca do judaísmo, cristianismo e islamismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.
- HOURANI, Albert. Uma história dos povos árabes. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.
- LEWIS, Bernard. O Oriente Médio: passado e presente. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1996.
- SAID, Edward W. Orientalismo: o Oriente como invenção do Ocidente. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
- HUNTINGTON, Samuel P. O choque de civilizações e a recomposição da ordem mundial. Rio de Janeiro: Objetiva, 1997.
- GOMES, Luiz Flávio. “A lei de talião e o princípio da proporcionalidade.” São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.
- FRIEDMAN, Thomas L. Do Líbano à Palestina: raízes do conflito no Oriente Médio. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.