Resumo:
O presente artigo aborda um caso emblemático de racismo institucional no ensino superior brasileiro, inspirado em fatos recentes envolvendo uma professora negra aprovada em primeiro lugar em um concurso para docente, cuja posse foi anulada após contestação. A análise evidencia a persistência do racismo estrutural e a dificuldade de reconhecimento do mérito acadêmico de profissionais negros, mesmo em instituições de prestígio. A reflexão propõe caminhos para a superação dessa realidade, destacando a necessidade de práticas inclusivas e de enfrentamento ao racismo institucional.

Introdução

O caso que inspirou este estudo — ainda que fictício — reflete uma realidade dolorosa e recorrente no Brasil: a negação do mérito a profissionais negros mesmo quando atingem desempenho exemplar. A professora Lúcia Helena dos Santos, doutora em Literaturas Africanas, foi aprovada em primeiro lugar em um concurso público para docente em uma universidade de grande prestígio, mas teve sua nomeação suspensa após contestações infundadas de candidatos brancos. O episódio reacendeu o debate sobre o racismo estrutural e o racismo institucional nas universidades brasileiras.

Racismo Institucional e Gênero: a Dupla Desigualdade no Espaço Acadêmico

O racismo institucional manifesta-se por meio de práticas, normas e decisões que, embora disfarçadas de neutralidade técnica, perpetuam desigualdades históricas e reforçam estruturas de exclusão. Trata-se de um mecanismo sutil, mas profundamente enraizado nas instituições públicas e privadas, que reproduz privilégios e invisibiliza trajetórias de pessoas negras no país.

No caso em análise, a candidata negra, mesmo aprovada por unanimidade e com sua nota devidamente homologada pela congregação, teve o resultado revertido por instâncias superiores sob justificativas frágeis e controversas. Esse episódio revela a persistência de um duplo padrão de avaliação, no qual o mérito de pessoas negras é constantemente questionado, enquanto o sucesso de pessoas brancas é naturalizado e celebrado. Tal prática reforça estereótipos de inferiorização e mantém a hierarquia racial como estrutura silenciosa, porém operante, no interior das universidades brasileiras.

Além do viés racial, há a dimensão de gênero, que torna o cenário ainda mais complexo. As mulheres negras estão na interseção de duas opressões históricas: o racismo e o sexismo. Essa combinação resulta em barreiras adicionais ao acesso a cargos de liderança, reconhecimento acadêmico e estabilidade profissional. A trajetória de Lúcia Helena dos Santos — docente que simboliza a luta de tantas outras mulheres negras no ensino superior — expressa resistência diante de uma estrutura social que insiste em negar-lhes visibilidade e legitimidade.

Nesse contexto, é oportuno recordar a Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006), um dos principais marcos legais no combate à violência de gênero no Brasil. Embora voltada especificamente à proteção contra a violência doméstica e familiar, essa lei carrega um simbolismo profundo sobre a necessidade de políticas públicas voltadas à proteção e valorização da mulher em todas as esferas sociais. Sua lógica pode e deve ser compreendida de forma ampliada, como referência à luta contra toda forma de violência — física, psicológica, institucional ou simbólica — que impede mulheres de exercerem plenamente seus direitos e capacidades.

Assim, quando uma mulher negra tem seu mérito questionado ou sua conquista revertida sem base sólida, perpetua-se também uma forma de violência institucional, que nega reconhecimento, desrespeita direitos e reitera desigualdades. Tal violência, embora não física, fere simbolicamente e emocionalmente, reforçando um sistema que continua a marginalizar corpos e vozes negras.

A superação dessa realidade exige não apenas o reconhecimento das injustiças, mas também o comprometimento ativo das instituições com práticas de equidade racial e de gênero. Isso inclui a revisão de critérios de seleção, a formação continuada sobre diversidade e a efetiva aplicação de políticas afirmativas. Somente assim será possível romper o ciclo de exclusão e consolidar um ambiente acadêmico verdadeiramente democrático, plural e representativo da sociedade brasileira.

Conclusão

A história de Lúcia Helena dos Santos revela que a universidade brasileira ainda está longe de ser um território plenamente democrático. O racismo institucional, ao negar o direito de posse de uma profissional qualificada, fere não apenas a Constituição, mas o próprio ideal de justiça e igualdade. É urgente repensar as práticas internas das instituições, garantindo processos transparentes, justos e inclusivos.
Que a dor dessa injustiça se transforme em força coletiva por um futuro acadêmico mais igualitário e plural.

Referências

ALMEIDA, Silvio. Racismo Estrutural. São Paulo: Pólen, 2019.
CARNEIRO, Sueli. Enegrecer o Feminismo: A Situação da Mulher Negra na América Latina. São Paulo: Selo Negro, 2011.
MBEMBE, Achille. Crítica da Razão Negra. Lisboa: Antígona, 2017.
SANTOS, Boaventura de Sousa. Pela Mão de Alice: O Social e o Político na Pós-Modernidade. São Paulo: Cortez, 2006.