O poder do perdão

No Caminho de Santiago, rumo ao Alto do Perdão, encontro à minha frente uma mulher de cabeça baixa, olhando para o chão. Caminhava com medo de escorregar; vagarosamente, desviava das pedras. Percebi o esforço enorme que fazia para avançar.

Ao passar por ela, disse:
— Bom caminho!
— Bom caminho, peregrino! — respondeu. Em seguida, perguntou:
— Por favor, falta muito para chegar ao Alto do Perdão?
Abri minha planilha de controle de distância e respondi:
— Pelo meu controle, daqui até o topo do morro há mais ou menos cinco quilômetros.
— Obrigada, peregrino.
— Está tudo bem com a senhora?
— Sim, tudo bem.
— Precisa de ajuda?
— Não. É que estou com pouca água e não sei se a quantidade que tenho é suficiente para chegar lá em cima.
— Tenho água na mochila e posso lhe dar um pouco.
— Não se preocupe. Minha filha está com a minha água. Muito obrigada.
— E onde está sua filha?
— Saiu à minha frente e ficou de me esperar no Alto do Perdão.
— Ainda falta um bom tempo para a senhora chegar ao topo. Pode pegar uma garrafinha aqui na lateral da minha mochila.
— Muito obrigada, meu rapaz, mas não vou aceitar. O pouco que tenho é suficiente até encontrar minha filha.
— Estou com o camelbak cheio e ainda tenho duas garrafinhas de reserva. Posso lhe dar uma.
— Obrigada, mas não vou precisar.
— Qual o seu nome?
— Maria Aparecida. Pode me chamar de Cida.
— Muito prazer, dona Cida. Eu sou Paulo.

Quando estendi a mão para cumprimentá-la, ela mostrou as mãos encurvadas. Recolhi imediatamente as minhas e me desculpei:
— Me desculpe. Não havia percebido o problema nas suas mãos.
— Não há do que se desculpar, meu filho. É uma doença de família. Vem desde a minha avó. Minha mãe teve, eu tenho e minha filha também está com o mesmo problema.
— O que aconteceu na sua família que possa ter causado esse problema hereditário?
— Deve ser uma maldição de família. Minha mãe dizia que descobriu o problema desde que nasci.
— E como era sua mãe?
— Vim de uma família rígida e autoritária. Meus avós e minha mãe trabalhavam na roça para sustentar toda a família.
— Sim. A vida na roça, antigamente, era muito difícil.
— Saíam de casa de madrugada para colher algodão. Trabalharam até as cinco da tarde; voltavam, faziam a comida e deixavam preparada a marmita para o dia seguinte.
— E como foi sua convivência com seus pais quando a senhora era criança?
— Meu filho, lá em casa era “na base do chicote”, como se dizia.
— A senhora era muito arteira?
— Nem tanto. Sempre obedecia à minha mãe e ficava quietinha no meu canto. A cinta comia se eu deixasse de fazer algo que meu pai mandava.
— E começou a trabalhar cedo?
— Trabalho desde muito cedo. Com oito anos, já fazia a comida para os mais velhos e cuidava dos irmãos menores: dava banho, mamadeira, deixava a casa limpa. Quando minha mãe chegava, tudo tinha de estar um brinco.
— Casou cedo?
— Sim. Eu ainda era adolescente: tinha quatorze anos. Casei com o filho de um amigo do meu pai. Naquela época, casamento era arranjado: servia para ter filhos, e quanto mais, melhor — mais mãos para a lavoura. Não tinha esse negócio de casar por amor. A gente obedecia aos pais.
— Quantos filhos a senhora teve?
— Cinco: quatro homens e uma menina, a caçula, que está comigo no Caminho de Santiago.
— E por que resolveu percorrer o Caminho?
— Minha neta tem três anos e não quero que ela tenha a mesma doença.
— A senhora sabe o nome da doença?
— Artrite reumatoide. Acontece somente com as mulheres da família.
— Nenhum homem teve?
— Não. E, ultimamente, a artrite da mão da minha filha piorou, justamente agora que ela teve a filha. Percebemos que está cada dia mais encurvada.
— Procuraram atendimento médico?
— A vida inteira fui tratada por um médico da família, mas ele faleceu há pouco tempo. Agora, tive de trocar de médico.
— É sempre bom buscar segunda opinião em casos complexos.
— A médica que nos atendeu no ano passado é muito simpática, mas parece não entender desse tipo de doença. Falta-lhe experiência.
— Por que a senhora acha isso?
— Ela disse que os remédios ajudariam na dor, mas não resolveriam a artrite — que teríamos de conviver com a doença. Porém, disse uma coisa que me chamou muito a atenção: algo que eu nunca tinha ouvido.
— O quê?
— Se eu quisesse buscar uma solução definitiva, deveria percorrer o Caminho de Santiago com a minha filha.
— E vocês vieram.
— No início, não acreditei nem desacreditei. Fiquei pensando como uma peregrinação poderia ajudar num problema físico e hereditário.
— Meu pai dizia que problemas da mente muitas vezes se curam com reza e oração.
— Pensei que fosse uma maldição de família e que eu e minha filha precisássemos pagar penitência.
— Tudo que possa servir para nos curar vale experimentar.
— Foi por isso que acabei concordando em vir.
— A senhora frequenta a Igreja Católica?
— Participo da comunidade de Nossa Senhora Aparecida, na minha cidade.
— É bom participar da comunidade: fazemos amigos, encontramos ajuda, ouvimos uma palavra de conforto.
— Mas faz dois meses que o padre que eu gostava foi transferido. Agora há um rapaz novo na paróquia.
— A senhora se aconselhou com o novo padre sobre o Caminho?
— Sim. Fui me confessar. Ao contar o que a médica disse, sabe o que ele respondeu?
— Que deveriam peregrinar até Santiago.
— Sim. E pediu que eu observasse os sinais no caminho. Por enquanto, só vi as setas amarelas.
— Diz a tradição: quem chega caminhando ao topo do Alto do Perdão tem os pecados perdoados.
— Já confessei todos os meus pecados. Só desejo que minha neta não tenha o problema que acompanha a família.
— Fique com esta garrafa de água.
— Não se preocupe comigo, meu filho. Você vai precisar para a subida. Quando eu chegar ao alto, pego água com a minha filha.
— Tem certeza?
— O que é o medo da necessidade senão a própria necessidade?
— Tenho medo de passar sede. Por isso carrego mais água do que preciso. Como nunca sei a distância até a próxima fonte, levo reserva.
— Vejo que você cria uma necessidade maior do que a real e, por isso, armazena além do necessário.
— Pode ser.
— Há quem dê muito do que possui apenas para receber elogios, abastecer o próprio ego.
— Nunca pensei nisso. Mas o que isso tem a ver com eu lhe oferecer água?
— Tudo. Qual o motivo da sua generosidade?
— O dia está quente, a senhora está com pouca água e vai precisar se hidratar. Não faço mais do que minha obrigação de compartilhar um pouco do que tenho.
— Há quem dê sem pena, sem alegria e sem buscar virtude: dá porque a vida espera generosidade. Por que insiste em me oferecer água?
— Tenho de sobra. Para mim não fará falta.
— Não doe porque sobra, nem para ser bom ou ganhar méritos. Doe porque a vida espera que sejamos bons, sem nada exigir em troca.
— Obrigado pelo ensinamento. Nunca parei para pensar assim.
— Há pessoas que pouco têm e se dão inteiras: confiam na generosidade da vida e seus cofres nunca se esvaziam.
— Trago comigo uma garrafinha benzida pelo padre de Roncesvalles. Pensei em dar a primeira pessoa que precisasse de água. É por isso que insisto: fique com ela.
— Agora me sinto honrada. Muito obrigada, peregrino.
— Preciso ir. Gosto de acelerar nas subidas. A gente se encontra pelo caminho.
— Se Deus quiser! Obrigada pela generosidade. Se encontrar minha filha, diga que estou bem, que vou devagar, e que me espere no Alto do Perdão.
— Está bem. Qual o nome dela?
— Aparecida de Fátima. Mas ela prefere Fátima.
— Bom caminho, senhora!
— Bom caminho, meu rapaz!

Segui no meu ritmo. Faltando cerca de cem metros para o topo, encontrei uma moça descansando à beira do caminho. Instintivamente, observei sua mão: não tive dúvidas de que era Fátima, filha de dona Cida. Cheguei por trás e falei em voz alta:
— Olá, Fátima! Tudo bem?
Assustada ao ouvir o nome, ela virou rápido, pisou em falso numa pedra e escorregou. Tentei segurá-la; caímos os dois, perto de um precipício. Consegui agarrar sua mão direita — a que estava contorcida.
— Cuidado, peregrino! Você me assustou! — disse.
— Desculpe. Não quis assustar.
— Quem é você?
— Dê-me a mão; deixo você de pé e explico.
— Não precisa. Não é porque tenho esse problema que não consigo me levantar.
— Me desculpe. Faço questão de ajudar. Por favor.
— Já disse que estou bem. Foi só um susto. E como sabe meu nome? Conhece-me de onde?
— Conheci sua mãe agora há pouco. Ela vem uns dois quilômetros atrás.
— Obrigada pela informação. Mas não precisava me assustar.
— Perdão. Sua mãe disse que você estava na frente e pediu para eu avisar que está tudo bem e para você esperá-la no Alto do Perdão.
— Vim à frente porque precisava ficar um pouco sozinha, pensar na vida. Vou esperá-la aqui mesmo. O sol está forte e ela tem só uma garrafinha de água.
— Pode ficar tranquila e esperar no alto. Já dei água para sua mãe.
— Agradeço a generosidade.
— Não é generosidade. Eu carregava mais do que precisava. Aliás, aprendi com sua mãe o que é ser generoso. Ela é sábia.
— Tome. Estou devolvendo a garrafinha que você deu a ela.
— Obrigado. Não é necessário. Vamos: ela pediu que eu a avisasse para esperá-la lá em cima.
— Está bem. Vamos caminhando.

— Sua mãe me contou da artrite reumatoide nas suas mãos.
— É hereditária.
— Não sabia que era hereditária. Por que acha que isso aconteceu com sua família?
— É maldição da minha avó.
— Por quê?
— Porque ela nunca soube dar atenção aos filhos. Passou a doença para minha mãe; eu tenho; agora, temo que aconteça com a minha filha.
— A gente tende a achar culpados para tudo.
— Minha mãe sempre disse ser uma maldição.
— Colocamos a culpa fora de nós, mas, na verdade, somos responsáveis por muito do que acontece na nossa vida.
— Por que você acha isso?
— O que acha que lhe faltou e que sua mãe não lhe deu?
— Nada. Tivemos educação, saúde, comida, viagens.
— Não é sobre coisas. É sobre sentido.
— Está dizendo que minha artrite é psicológica, e não uma maldição?
— Essa conclusão é sua.
— Foi o que entendi.
— Muitas doenças nascem de sentimentos mal resolvidos, dores, traumas, algo de que não conseguimos nos libertar.
— Não é o nosso caso. Se fosse só comigo… mas vem desde a minha avó.
— Quando focamos na doença, buscamos culpados. Feridos, olhamos apenas a escuridão e não vemos a luz — a verdade dos fatos.
— A verdade é que esta doença é uma herança maldita que passa de mãe para filha.
— Você sempre teve de tudo. O que lhe faltou que sua mãe não soube dar?
— Carinho. Sinto muita falta de carinho. Às vezes não suporto ficar com ela por causa disso.
— Você acha que um dia conseguirá mudar o comportamento dela?
— Não. Ela não vai mudar. Isso me entristece. Já senti ciúme de amigas próximas de suas mães.
— Quando sentiu as mãos doerem pela primeira vez?
— No nascimento da minha filha. Não sou médica, mas, pela experiência da família, está ligado à maternidade.
— E você é carinhosa com sua filha?
— Não tenho muita paciência. Sempre dei tudo o que ela quis.
— Não perguntei de coisas. Você dá carinho?
— Como dar o que nunca tive?
— Então compreende por que sua mãe não lhe deu carinho?
— Porque ela também não recebeu da minha avó.
— Vê de onde vem a “maldição”?
— Sim. Se eu não mudar com minha filha, ela repetirá o padrão.
— Compreender o porquê das situações ajuda a liberar a culpa que jogamos nos outros.
— Minha mãe sempre teve as mãos rígidas. Fez o que pôde. Não podia dar o que não recebeu. E eu também não estou sabendo dar carinho à minha filha.
— Você começou a tocar a raiz do problema.
— E o que faço para romper essa corrente?
— Perdoar. Meu pai dizia: o perdão é liberdade — liberta a alma das amarras.
— Tenho de perdoar minha mãe?
— Sim. E a si mesma.
— Por quê?
— Porque ela lhe deu tudo o que possuía: casa, comida, escola, diversão, bens, viagens. Deu o que tinha.
— Devo agradecê-la por tudo, mas é difícil perdoar a falta de carinho.
— Entenda: sua avó também não soube dar carinho à sua mãe.
— Como você sabe?
— Conversei com sua mãe. Ela me contou a vida dura na roça.
— É verdade.
— Fátima, o perdão cura. Quem perdoa vive mais leve: entende-se melhor com a família, com o lugar onde vive, com os amigos.
— Não é fácil perdoar.
— Concordo. Especialmente perdoar a si. Quando você compreende o sentido das coisas, muda seu comportamento; sua mãe se aproxima, e você se aproxima de sua filha.
— É, Paulo. Entendemos pouco do que nos acontece, e isso cria conflitos.
— Conflitos nascem quando não enxergamos o outro. As pessoas só podem dar o que têm. Quando entendemos isso, lançamos um olhar mais humano às leis da natureza.

Na vida, precisamos arriscar o que nunca fizemos e viver o nosso caminho. Ao errar, não devemos culpar-nos nem revoltar-nos com Deus. Temos de assumir o que fazemos — certo ou errado. Quando percebo que sou responsável por um erro, vou lá, corrijo e sigo. Isso muda a postura e transforma a pessoa.

O culpado anda curvado, com o peso nas costas; o responsável reconhece o erro, corrige, ergue a cabeça e segue.

Colocar-se no lugar do outro traz harmonia — e a natureza harmoniza tudo.

Chegamos, então, ao marco do caminho: o Alto do Perdão. Aerogeradores gigantes giravam pela encosta; esculturas em aço representavam peregrinos de várias épocas — um monumento aos caminhantes.
— Veja que linda a paisagem! Do alto, dá para ver todo o caminho.
— Sim. A visão é incrível!
— Paulo, muito obrigada pelas palavras. Você me fez ver o óbvio que eu não enxergava. Não sei como agradecer.
— Não precisa. Agradeça a Santiago. Agora, preciso seguir.
— Será que ainda nos encontraremos?
— Quem sabe em Compostela? Dê um abraço na sua mãe por mim.
— Darei um bem apertado! Bom caminho!
— Bom caminho, peregrina!
— Bom caminho, meu anjo do caminho!

Antes de iniciar a descida, olhei para trás e vi dona Aparecida apontando no outro lado do morro. Fátima correu ao encontro da mãe; largou cajados e mochila, deu-lhe um forte abraço, beijou-a e pediu perdão. Ainda ouvi o choro das duas, emocionadas, no Alto do Perdão. Segui feliz o meu caminho.

Um passarinho me contou que, como por milagre de Santiago, as mãos da mãe e da filha já não estavam tão rígidas, as dores haviam desaparecido, e ambas entraram de mãos dadas na Catedral de Santiago de Compostela para agradecer uma nova vida.

Bom caminho. Bom caminho para a sua vida!