Em 6 de julho de 2023, José Celso Martinez Corrêa partiu do plano dos homens para o plano dos deuses, vítima de um incêndio no apartamento onde morava.
Referência do teatro no Brasil, o extraordinário Zé, como era chamado, deixou um vazio sem fim nesta arte. Dioniso, deus da mitologia que marcou profundamente a vida do artista, acolheu-o em meio a danças, tambores, tirsos e gritos de seus devotos. Na alvorada humana, sua partida criou um hiato que outrora fora preenchido por significativos espetáculos báquicos. Na alvorada sagrada, Zé entregou-se, abrupta e inesperadamente, ao sol, o astro-rei que tanto reverenciava.
O fogo, como figura arquetípica, sempre esteve presente na trajetória de Zé Celso. Na manhã de 31 de maio de 1966, um curto-circuito provocou o incêndio devastador de seu Teatro Oficina, hoje renomeado Teatro Uzyna Uzona. Transgressor, Zé Celso atribuiu a tragédia, ao longo dos anos, aos militares que perseguiam seu anárquico grupo teatral. Nada restou do espaço. O artista viveu então um destino de martírio: foi preso e torturado por agentes da ditadura que vigorava no país, o que o obrigou a passar quatro anos exilado em Portugal.
O falecimento do diretor, causado pelo fogo, coincide ironicamente com o título de seu método e com a característica primordial de sua personalidade aparentemente insana: o dionisismo.
O deus fantasmagórico Dioniso, filho de Zeus (o maior dos deuses gregos) e de Sêmele (deusa da natureza), teve um nascimento trágico, vítima dos artifícios cruéis de Hera, a esposa legítima de Zeus, obcecada e consumida de ciúme. Em seu ódio, Hera incinerou a jovem e bela Sêmele, que morreu queimada. Dioniso foi salvo por Zeus, que o costurou em sua própria coxa e o trouxe à vida posteriormente, justificando assim os dois nascimentos do deus.
Seja pelo arquétipo, pela mitologia ou pelo inconsciente coletivo, Dioniso — deus dos ciclos vitais, das festas, dos gritos loucos, do vinho, do frenesi, do delírio, da mania, do tresvario, das florestas e do teatro — orquestrou as chamas das paixões em José Celso Martinez Corrêa, nesta e em outras existências.