Sou Fátima. E sempre fui. Meu nome ecoa pelos séculos, ressoando nas cavernas do tempo, desde quando a humanidade começou a contar suas histórias ao redor do fogo. Fui a primeira mulher a plantar sementes na terra, a erguer um filho nos braços e a ver o mundo moldado por mãos que não eram as minhas. Vi o nascer das civilizações, os templos erguidos aos deuses e os impérios construídos sobre o suor dos meus dias. Sou Fátima, e minha história é a história de todas as mulheres.

Quando o mundo era jovem, andei descalça sobre a terra úmida, colhendo frutos e criando as primeiras moradias. Eu sabia que o mundo pulsava no ritmo do ventre, que o sangue que derramava todo mês não era uma maldição, mas um ciclo de renovação. Mas vieram os homens que ergueram lanças e decretaram que a força era quem ditava as regras. Assim, fui empurrada para dentro da caverna, chamada de frágil, enquanto, na verdade, era eu quem mantinha a tribo viva.

Fui Fátima no Egito, sacerdotisa esquecida entre papiros e hieróglifos. Fui Cleópatra, rainha e estrategista, reduzida pela história a amante de imperadores. Na Grécia, fui Sappho, poeta do amor, apagada pelas fogueiras da ignorância. Em Roma, carreguei filhos de guerreiros, sem direito de possuir sequer um pedaço do solo que pisava. Na Idade Média, fui acusada de bruxa por entender a cura das ervas e por saber ler os sinais do céu. Fui queimada nas fogueiras, mas meu espírito nunca se consumiu. Fui Fátima enclausurada em conventos, escrevendo versos secretos nas bordas das Bíblias, porque não me permitiam a pena.

Na Revolução Francesa, marchava com Olympe de Gouges, pedindo liberdade, igualdade e fraternidade, apenas para descobrir que a revolução não era para mim. Olympe morreu na guilhotina. Eu continuei.

Na Revolução Industrial, fui Fátima na fábrica, costurando os tecidos que vestiriam os homens de negócios, enquanto minhas mãos sangravam e meu corpo se curvava sob a miséria. Ganhava metade, trabalhava dobrado.

Na primeira guerra, vesti o uniforme de enfermeira. Na segunda, pilotei aviões e lutei em batalhas. Mas quando os tiros cessaram, disseram-me para voltar ao lar e esquecer o mundo. Mas eu nunca esqueci.

Hoje sou cientista, escritora, mãe, política, artista, atleta. Sou todas as mulheres que vieram antes de mim e todas as que virão depois. Minha voz já não pode ser silenciada tão facilmente, mas o mundo ainda tenta. Ainda sou julgada pela roupa que visto, pelo tom da minha voz, pela curva do meu corpo. Ainda me olham torto quando decido que minha vida pertence apenas a mim. Ainda querem me apagar, mas eu sou muitas e sou eterna.

E amanhã? O que será de mim?

Vejo um horizonte onde meninas não terão medo de andar nas ruas. Onde não precisarão lutar pelo direito de existir em igualdade. Onde não serei chamada de “guerreira” por simplesmente sobreviver.

O futuro será o tempo em que a mulher será apenas mulher, sem precisar justificar-se, sem precisar ser símbolo de resistência.

O mundo já me tentou dobrar tantas vezes. Mas sou Fátima. E sempre fui.

E jamais me curvarei.