Estávamos em um inverno de temperaturas moderadas, como é frequente na nossa região. Meu pai e meus irmãos estavam ocupados com a colheita em uma propriedade nossa, distante cerca de 25 quilômetros de casa. A chácara ficava em outra pequena cidade.

Minha mãe pretendia se juntar ao restante da família e decidiu que iríamos de ônibus até lá. As estradas ainda eram de terra batida naquela época, e a poeira se espalhava pelas laterais do veículo enquanto seguíamos o percurso.

Eu, com 6 anos de idade, junto da minha mãe, era o ser humano mais feliz de todo o universo. Primeiro, por tê-la só para mim naquelas poucas horas de viagem (éramos nove filhos); e depois porque me sentia amado, nutrido e protegido pela presença dela. Meu amor por minha mãe se manifestava nesses acontecimentos prosaicos e inestimáveis.

Dividíamos um banco rígido e maltratado pelo tempo, mas, para mim, era como estar no mais confortável e aconchegante trono do mais opulento castelo. Sentia seu corpo colado ao meu, a morna sensação de estar ao lado da pessoa que mais admirava e amava no mundo.

Minha mãe era uma força da natureza. Quieta, sensata e com ensinamentos transmitidos por meio de exemplos.

Lembro-me de uma vez, ainda criança, em que ela me pediu para comprar ovos na casa da vizinha que morava logo após a esquina. A residência ocupava uma lateral do terreno, deixando uma área aberta até uma despensa nos fundos, onde as caixas de ovos eram armazenadas.

Abasteci um pequeno caldeirão com meia dúzia de ovos e, ao voltar pelo quintal da vizinha, deparei-me com um brinquedo jogado no chão. Na minha cabeça, ele havia sido negligenciado pelos filhos da vendedora de ovos. Com algum constrangimento, recolhi o brinquedo e segui para casa com aquele “tesouro” em mãos. Não éramos pobres, mas tampouco tínhamos luxos. Meus brinquedos consistiam em fragmentos de madeira, sobras de uma ou outra obra em casa, que nós mesmos transformávamos em artefatos para nosso divertimento.

Logo que cheguei, minha mãe percebeu que aquele objeto não pertencia ao nosso universo familiar ou monetário. Perguntou onde o havia encontrado, e eu, embaraçado, respondi que estava jogado no quintal da vizinha. Imediatamente, ela ordenou que eu o devolvesse. Voltei ao local, mas, tão envergonhado, não tive coragem de entrar. Atirei o brinquedo por entre as grades do portão, para que caísse o mais distante possível. Nessa ocasião (e em outra, já na juventude), descobri que a vergonha é um sentimento poderoso.

Minha mãe não mencionou o ocorrido novamente. Ela sabia que eu havia seguido seu conselho e feito o que era certo.

Por esse tipo de autoridade e discernimento, eu a amava ainda mais. Filhos precisam de modelos e ensinamentos. Nós ansiamos por isso. Isso nos torna mais queridos e privilegiados.

De toda forma, naquela tarde, nossa viagem seguia pela estrada trepidante e poeirenta, enquanto, dentro do ônibus, eu desejava que aquele trajeto não terminasse nunca.

Minha vontade, no entanto, não impediu que o ônibus fizesse uma parada obrigatória em um entreposto antes do destino. Minha mãe pediu que eu permanecesse sentado no veículo enquanto ela dava uma saidinha, por um motivo ou outro (ir ao banheiro ou comprar algo para comer; não me lembro mais).

Foram minutos de angústia. E se o motorista decidisse partir antes que ela voltasse? O que eu faria? Fiquei atento à janela, esperando impacientemente.

O condutor entrou e minha mãe ainda não tinha retornado. Ele ligou o velho motor a diesel, que ribombava sob o corpo metálico da jardineira, e ela não aparecia. Eu estava na ponta do banco, pronto para saltar do ônibus.

Foi quando a vi subindo a escada junto à porta da frente. Sentou-se ao meu lado, sem dizer uma palavra.

Eu estava satisfeito e aliviado. Feliz como nenhuma outra criança jamais esteve. Segui em êxtase por pelo menos mais uma hora, até chegarmos ao nosso destino. Meu pai e um dos meus irmãos vieram nos buscar em uma cobertura simples que servia como rodoviária. Eu não tinha mais minha mãe só para mim. Mas guardei para sempre a lembrança e a sensação de amar e ser amado em uma profundidade que nem essas palavras podem descrever perfeitamente.