O The New York Times fez um artigo muito interessante sobre a evolução da mulher na literatura. Nos tempos mais antigos, tínhamos nossa capacidade intelectual definida por nosso sexo no momento em que nascíamos. Um rei sem filhos não valia de nada, uma mulher não poderia governar sozinha. Na arte, nada disso foi diferente. Uma mulher pode ser a musa, mas nunca a artista. Afinal, que capacidade teria uma mulher se comparada aos grandes homens da humanidade? Esse texto fala sobre o quanto as mulheres sofreram para aprender a linguagem escrita através da história e de quanta cultura foi perdida devido a esse fato.
“O que uma mulher precisa para escrever? Um quarto e uma renda fixa, talvez, mas apenas depois. Primeiro, ela precisa de um idioma para escrever. Porém, durante muito tempo na história ocidental e oriental, a linguagem estava indisponível para mulher. Línguas clássicas, como grego e o latim da literatura da Roma antiga, além do chinês importado e usado no Japão antigo, eram línguas escritas de forma completamente diferente de suas versões faladas, e eram ensinadas exclusivamente aos homens bem nascidos. Apenas algumas mulheres – imperatrizes, a filha ou esposa de um poeta – recebiam essa educação de elite e, então, a maior parte dos escritores eram homens.” Sendo esse método completamente injusto para outras camadas sociais, a escrita vernácula começou e trouxe a oportunidade de escrever, de forma moderna, em seu próprio idioma. Assim, diversas mulheres puderam escrever seus romances e poesias em sua língua nativa, o que se tornou completamente normal e ainda continua sendo nos dias de hoje. Podemos notar essa diferença na literatura clássica, pois os escritores, além de conhecimento em diversas áreas, precisavam de um estudo literário profundo a fim de escreverem seus manuscritos. Infelizmente, além de as mulheres não possuírem oportunidade para tal educação, quando a possuíam, seus trabalhos se perdiam e não eram preservados.
Essa exclusão literária da mulher na escrita parece surreal quando vemos tantas antologias de trabalhos clássicos preservados, mas estamos falando de eras um pouco mais antigas do que Jane Austen e Mary Shelley. Um bom exemplo é a extensa literatura latina anteriores à Cristo, onde podemos encontrar apenas seis elegias escritas por uma mulher, a poetisa Sulpicia. A linguagem coloquial das mulheres não era preservada e, com isso, muitas canções e odes populares se perderam. Essas mulheres clássicas só ganharam sua voz para o mundo com a chegada do cristianismo e a educação latina que este trouxe.
Com esse avanço tecnológico e doutrinário, as mulheres tiveram mais oportunidades para deixar de lado tarefas manuais e artesanais e aprender sobre novos idiomas e a escrita, que preservaria seus pensamentos. Assim foi com a freira alemã Hrotswith, a primeira dramaturga cristã, que viveu entre 935 à 1005, e a Abadessa Hildegard de Bingen, uma das teólogas mais geniais de seu tempo.
Esse processo vernáculo foi dificultado principalmente pelo fato de que muitos povos não tiveram sua língua nativa falada gravada. Assim, foi preciso muito estudo para realmente saber como reproduzir essa cultura e folclore. Um bom exemplo disso é a religião druida celta que, apesar de contar com alguns adeptos, se perdeu em sua essência devido à falta de conhecimento sobre como eram seus ritos, músicas, práticas, etc.
Sendo essa linguagem parte da história da humanidade, é injusto que apenas homens e pessoas bem-nascidas tivessem o direito de contá-las. Na corte do imperador do Japão, lady Murasaki teve a inspiração para escrever uma história que deu origem à diversos contos e um gênero inteiro, que foi Genji no Monogatari (o conto de Genji). Podemos encontrar diversos doramas sobre a vida na corte e os costumes da família imperial graças a essa obra.
Essas mulheres escreviam sobre suas vidas e experiências em formas de escrita pouco robustas, muitas vezes em diários, sem saber o quanto influenciariam a literatura mundial com seus pensamentos e interpretações.
Por outro lado, também víamos que as mulheres tinham mais liberdade para explorar diferentes formas de escrita e storytelling, já que não havia ninguém para padronizar suas obras. Não é de se duvidar que muitos homens tenham usado pseudônimos femininos para escrever com mais liberdade e mulheres tenham feito o contrário. Existem várias teorias de que a rainha Elizabeth I era um homem, assim, como ter certeza dos gêneros de nossos escritores?
Segue um exemplo de prosa feminina do século X, no Japão:
“E então, os meses e anos se passaram, mas pouco aconteceu de bom para mim. Cada novo ano falhava em me trazer alegria. De fato, enquanto penso nos eventos insatisfatórios que anotei aqui, imagino se descrevi algo com substância. Podem chamá-lo, esse meu diário, de cintilante céu de verão.” (Kagero diary – escrito pela “mãe de Michitsuna”)
Em muitas formas de arte, a mulher acaba sendo descaracterizada, transformada em um objeto de desejo, uma inspiração de posse para que outros homens possam possui-la também. Essa “objetificação”, por sua vez, denigre o trabalho e esforço da mulher e faz com que todos as vejam com outros olhos, como se conseguissem boa parte de seus feitos através de sua aparência ou do simples fato de serem mulheres e algum homem as desejar.
Em um mundo assim, não é mais fácil usar de um pseudônimo masculino e ser admirada apenas por sua mente em vez de pelo seu sexo?
É inspirador ver o quanto conseguimos evoluir desde a época onde nossas obrigações eram definidas por nosso sexo. Ainda temos muito que evoluir e mudar, mas a cada dia conseguimos mais, um passo de cada vez, e acredito que um dia o que há em nossos corações e mentes será mais importante do que nosso aspecto físico.